Quando um sucesso estrondoso aparece, é natural que queiram copiá-lo, mas isso nunca foi suficiente quando se trata de algo como Lost
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Em 22 de setembro de 2004, Lost estreava na rede americana ABC. O episódio piloto mais caro da TV até então – algo entre 10 e 14 milhões, estima-se – foi uma aposta altíssima de Lloyd Braun, o diretor do canal na época. Segundo o crítico Alan Sepinwall, em seu livro The Revolution Was Televised, Braun teve a ideia da série após uma viagem de férias que fez com a família para o Havaí, que seria uma mistura de Náufrago com o reality show Survivor. Em janeiro de 2004, encomendou um roteiro inicial escrito por Jeffrey Lieber. Não muito feliz com o resultado (Lieber havia até mudado o nome para Nowhere), Braun contratou J.J. Abrams, que havia tido sucesso com Alias na emissora, e poderia trazer elementos de fantasia à série como “a ilha ser um personagem e existir algo de errado com ela”, para reescrever o piloto.
Com Abrams muito ocupado com outros projetos, chamou Damon Lindelof para colaborar com e criar uma identidade própria para o seriado, focando nos seus personagens, e assim veio a ideia de cada episódio centrado no passado de um deles. No entanto, Lost acabou custando a Braun seu emprego, já que os executivos da Disney, proprietária da ABC, não acreditavam tanto assim em um projeto absurdamente caro que seria inteiramente filmado no Havaí. Um resumo de um resumo de como surgiu esse colosso da teledramaturgia e de como tinha tudo para dar errado graças a uma pré-produção pra lá de incomum. Felizmente não foi o caso.
18.65 milhões de pessoas sintonizaram seus televisores para testemunhar a queda do voo 815 da Oceanic em uma ilha misteriosa. Sucesso não só de audiência como também de crítica, logo houve a encomenda para uma temporada completa de vinte e cinco – isso mesmo – episódios. Coincidindo com a ascensão da internet, a experiência foi expandida porque os fãs queriam teorizar sobre o que acabavam de assistir. Foi questão de tempo para a série ser importada para mais países e ganhar o mundo, tornando-se um fenômeno global. No Brasil, estreou somente em março de 2005 no canal pago AXN e já ganhou muitos espectadores. No entanto, foi apenas em janeiro de 2006 que a Globo começou a exibir a série e a transformou em um sucesso, mesmo com o horário ingrato da madrugada. Não importava como, mas todos queriam acompanhar Lost, seja por DVDs ou outros meios escusos, todo mundo queria fazer parte daquilo. Era outra época e não era nada fácil ter que esperar, principalmente com uma narrativa serializada, coisa que os espectadores da TV aberta não estavam tão habituados.
A série tomava proporções gigantescas. Em setembro de 2005, vencia o Emmy de Melhor Série Dramática por sua primeira temporada, e bateu seu recorde de audiência com o episódio de estreia da segunda. 23.47 milhões de pessoas queriam descobrir o que tinha dentro da escotilha. Isso só ao vivo nos EUA, porque ainda demoraria para chegar oficialmente por aqui. Graças a internet, já dava para saber o que tinha acontecido nos episódios e essa globalização foi crucial para essa experiência conjunta, onde pessoas de várias partes do mundo queriam discutir os acontecimentos e tentar adivinhar o que viria a seguir através dos famosos easter eggs escondidos pelos episódios. Quando um mistério era respondido, outros trinta mais surgiam dali.
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Todavia, Lost ia além de ser somente uma “série de mistérios” e era essencialmente um drama, cheio de personagens moralmente ambíguos e complexos, e era através deles que havia discussões aprofundadas sobre temas como vida, morte, destino, ciência e fé. Era isso que fazia a série estar em outro patamar: essa mistura de drama, fantasia, suspense, comédia e ação que deu muito certo, porque havia um time de roteiristas, encabeçados pelos showrunners Damon Lidelof e Carlton Cuse (Abrams deixou o projeto para focar em outras coisas), extremamente competentes que se preocupava com a qualidade do que era visto. Uma trilha sonora original impecável de Michael Giacchino distinguia a trama de outras produções da época, e uma direção cinematográfica, muito bem alinhada por Jack Bender, que era quase impossível se ver na TV em 2004. Obviamente que Lost não foi irretocável por todas suas seis temporadas, mas nunca deixou de ser um fenômeno e que toda emissora tentou por anos replicar, sem muito sucesso.
Já em 2006, a NBC estreava Heroes, uma série sobre pessoas normais que ganhavam superpoderes. Tirando o fato do grande elenco principal, com vários personagens diferentes, não havia muita similaridade na história em si, mas é inegável que o sucesso de Lost mostrou que uma grande parcela de audiência estava disposta a embarcar em uma trama de ficção-científica. E estavam certos, porque a primeira temporada de Heroes foi um estrondo, com “save the cheerleader, save the world” pra lá e pra cá. Mas já no episódio final de seu ótimo ano de estreia, a série mostrava sinais de cansaço e a segunda temporada confirmou isso. Não dá para culpar somente a greve de 2008, porque os insuportáveis episódios de Hiro (Mais Oka) preso no Japão feudal já haviam sido escritos, bem como a introdução de péssimos novos personagens, e desse ponto em diante foi só ladeira abaixo.
Ainda em 2006, a CBS estreou Jericho, e essa sim era uma tentativa mais descarada de ser a “nova Lost”. Uma nuvem misteriosa surge em uma pequena cidade e os habitantes acham que podem ser os únicos sobreviventes no país. Um grande evento muda a conjuntura e uma nova forma de sociedade se inicia, ainda com doses de mistério que jamais teriam solução, era muito Lost; só faltou ser boa, e foi cancelada depois de duas temporadas.
Em 2009, quando Lost já tinha data para acabar, a própria ABC não queria ficar desamparada sem uma de suas galinhas dos ovos de ouro. Então, aparecia Flashforword, que vinculava comerciais com os dizeres “da emissora que te trouxe LOST”. Era a promessa de uma substitua à altura e no excelente piloto fomos enganados. Um belo episódio que apresentava muito bem a trama e seus personagens principais. No entanto, à medida que a série avançava, mais ela se mostrava enfadonha, boba e com personagens que tinham o carisma de uma batata. Passada a empolgação inicial, a audiência caindo semana a semana, foi cancelada no fim da sua primeira temporada e ironicamente terminou junto com Lost.
Essa fórmula de “um grande evento + várias pessoas + inúmeros mistérios” tentou ser replicada em The Event (2010-2011) da NBC, que durou somente uma temporada, Revolution (2012-2014), também da mesma emissora, e que conseguiu o feito de ter duas temporadas, Terra Nova (2011) e Alcatraz (2012) da FOX, que não conseguiram passar do 13º episódio. Sense8 (2015-2018), da Netflix, que se diferenciava um pouco das citadas pela direção e fotografia, esqueceu que também deveria investir no roteiro. Na 1ª temporada já era notado certos exageros descabidos, mas ainda foi assistível. No entanto, a 2ª temporada, além de perder a completa noção do que queria contar, não poderia ser mais chata. Apesar de ter muitos fãs, não foi suficiente para sustentar os altos custos da produção e foi cancelada, com um filme – igualmente ruim – para concluir a história.
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Um novo esforço da NBC chegou em 2018 com Manifest, onde um voo – risos – reaparece cinco anos após ter decolado, mas para os passageiros foram apenas cinco horas. Pela premissa já se nota que segue a fórmula citada acima e, na minha opinião, também falha nela. Não passei do episódio piloto, que não é de todo mal, mas não chegava aos pés do que ela queria imitar. Foi cancelada após três temporadas pelo canal original e resgatada pela Netflix para uma quarta e última. Houve um certo burburinho em torno dela, mas nada que chegasse perto do que Lost foi.
Outra mais recente, que tem a direção de Jack Bender e o protagonismo de Harold Perrineau (Michael em Lost), é From. Não só o nome curto já nos remete ao sucesso da ABC, como os nomes por trás e na frente das câmeras. Um grupo de pessoas está preso em um lugar do qual eles não sabem como sair – risos – e monstros vampirescos surgem quando o sol se põe. Investindo mais no terror, a série entretém, mas em uma temporada de 10 episódios já mostrou que não tem muito cacife para se segurar por muito tempo. Ainda não comecei a 2ª temporada e uma 3ª já está encomendada. Se eu vou chegar até lá, ainda não posso afirmar.
Eu poderia citar inúmeros nomes de tentativas frustradas por aqui, mas devo dizer que a única série que se assemelha ao fenômeno de Lost foi Game of Thrones. Sim, isso mesmo que você leu. A gigante da HBO expandiu a experiência para além da TV, e era na internet que os fãs teorizavam e ansiavam pelo próximo episódio. Foi mais uma série que uniu milhões de pessoas ao redor do mundo em prol dela, assim com Lost. Eu sei que as tramas das duas pouco têm a ver – apesar dos elementos de fantasia – e que GOT tem seu próprio material fonte, mas quando penso no sucesso de uma, penso na outra, principalmente com fandoms fervorosos que criavam teorias até melhores do que vistas nas séries. E claro, os finais que dividiram opiniões pelo globo inteiro. O mundo estava com os olhos virados para as duas, seja em maio de 2010 ou de 2019, e uma grande parte odiou. Eu, pessoalmente, adoro e defendo o final de Lost, mesmo não gostando da última temporada como um todo. Já GOT não tenho como defender nem a temporada, nem o final, porque a patacoada foi sem tamanho.
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Não há nada errado em se inspirar, até porque na própria Lost há elementos de Twin Peaks (1990-1991; 2017), Arquivo X (1993-2002; 2016-2018), Senhor das Moscas (1954) e outras obras. Porém, é imprescindível que haja uma identidade própria, que não se queira somente copiar o que seria para homenagear. Mas afinal, por que essas tantas outras que queriam beber da fonte de Lost não conseguiram arrebatar o público da mesma maneira? Não há uma resposta exata, mas é inegável que a série foi O fenômeno cultural dos anos 2000 e se beneficiou direta e indiretamente do seu tempo. Ocorrer em conjunto com o advento da internet foi fundamental para o sucesso, mas isso não faria efeito se a série não fosse realmente boa. Não havia por que as pessoas se engajarem tanto em algo se não fosse recompensador. E Lost era. Ela esteve no ar na mesma época que séries como The Sopranos (1999-2007), The West Wing (1999-2006), The Shield (2002-2008), The Wire (2002-2008), que tinham um alto padrão de qualidade e uma gama de personagens extremamente complexos. Então as portas estavam abertas também nesse ponto, de que a audiência não deveria ser subestimada com uma simples história de mocinhos/vilões. Diversas vezes Lost apresenta e depois subverte esses conceitos maniqueístas, e mostra que as imperfeições são inerentes a nós seres humanos.
Uma das principais teorias que permeavam a internet no início era que a ilha seria um purgatório, o que nos leva direto à noção do pecador e como era mostrado flashback atrás de flashback, que aquelas pessoas erravam muito mais que acertavam, e olha a breguice: estavam perdidas onde quer que estivessem, na ilha ou fora dela. Uma série não se basta de perguntas, e foi aí, a meu ver, que muitas “novas Lost” erraram. Bolar um mistério principal e não cuidar dos personagens, daquelas pessoas que vamos acompanhar por anos, é pedir para fracassar. É crucial que a audiência se importe com eles, se apegue a eles. Isso vale para toda e qualquer série: os personagens têm que ser bem construídos, têm que ter peso.
Lost tinha um elenco enorme e não dá para dizer que eu gostei de todos, mas que pelo menos eu me interessava em saber o que aconteceria com a maioria, me emocionava com as mortes e os reencontros. Não faz sentido investir anos da sua vida só para descobrir algo se você não se importa com quem você assiste, e é por isso que eu gosto do final. Mesmo com algumas respostas insatisfatórias, outras que nem vieram, o fim é sobre eles e era por Jack (Matthew Fox), Kate (Evangeline Lilly), Sawyer (Josh Holloway), Locke (Terry O’Quinn), Sayid (Naveen Andrews), Hurley (Jorge Garcia), Sun (Kim Yoon-jin), Jin (Daniel Dae Kim), Shannon (Maggie Grace), Charlie (Dominic Monaghan), Claire (Emilie de Ravin), Boone (Ian Somerhalder), Michael (Harold Perrineau Jr.), Desmond (Henry Ian Cusick), Ben (Michael Emerson), Juliet (Elizabeth Mitchell) e tantos outros nomes marcantes que a grande maioria estava ali. Eu pelo menos estava, e mesmo que eu quisesse respostas, não dá para responder tudo, como Lindelof aprendeu na também espetacular The Leftovers (2014-2017), onde algumas das melhores qualidades de Lost foram aprofundadas e lapidadas, mostrando que boas histórias podem ser semelhantes e não meras cópias.
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