Longa de Coralie Fargeat é didático ao tentar explicar como a pressão estética e o etarismo levam mulheres a situações extremas
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Ozempic, Monjauro, Lipo Lad, Botox…Duvido que você nunca tenha ouvido falar em um desses medicamentos ou procedimentos, especialmente sendo usados por mulheres que querem se tornar mais magras, menos flácidas, mais esculturais e mais bonitas para um padrão estético cada vez mais inalcançável. Em uma versão resumida, o fio condutor de A Substância, filme vencedor de melhor roteiro em Cannes neste ano, traz uma estrela que atingiu seu ápice há anos atrás e que é demitida do programa fitness que apresenta por estar velha demais. Por conta disso, ela ingere uma substância que a torna uma versão perfeita de si mesma: jovem, bonita e menos flácida, tudo que a sociedade não enxergava mais nela.
Utilizando-se do horror corporal, um subgênero que se caracteriza por explorar transformações e mutilações grotescas do corpo humano, a diretora e roteirista Coralie Fargeat traz pro público reflexões acerca de uma pressão estética que descarta mulheres ao desuso quando não é atrativo o suficiente para os homens da sala. Obviamente essa temática é exposta com exaustão por muitas mulheres, das que trabalham com arte e cinema até as que trabalham em profissões consideradas mais comuns, todas sentem que ao chegarem em determinada etapa da vida são colocadas em uma caixinha e veem sua imagem sendo atrelada à uma terceira idade forçada ou escutam comentários que agem como bem-intencionados que sugerem procedimentos estéticos que tentam diminuir ou estagnar um envelhecimento que chega para todos nós e que, repetitivamente, a balança sempre pesa mais para o lado da mulher.
E A Substância aponta muito bem essas pressões estéticas em cima da personagem Elisabeth Sparkle (interpretada pela Demi Moore) que, inclusive, reflete-se bem na vida e carreira da própria Demi. Ela, considerada um ícone dos anos 90 e uma das atrizes mais bem pagas da época, viu os papeis oferecidos despencarem conforme sua idade avançava. Era como se o seu talento evaporasse junto com a sua juventude e em sua cena de abertura, o filme escancara isso com uma metáfora didática: ambientado em Los Angeles, o longa começa com uma vista aérea da Calçada da Fama de Hollywood, onde uma nova estrela está sendo instalada. Mas com o tempo, aquela estrela que homenageia a atriz Elisabeth Sparkle, racha e é danificada. É pisoteada e ignorada. Um homem passa por ela, deixa cair o hambúrguer e a estrela fica suja de ketchup. Ela não tem mais valor, não vale mais nada para o público e para a indústria. E ela é facilmente substituível.
Utilizando-se agora da substância, a personagem de Elisabeth se vê como Sue (interpretada por Margaret Qualley), uma jovem que é exatamente a substituta perfeita que os homens precisam. Sue logo vira protagonista do seu antigo programa e se torna amada, idolatrada e idealizada por ser o padrão quase inalcançável que todas as mulheres desejam e que os homens querem ter. Para a trama do filme, é necessário existir um ponto de tensão e ruptura que, neste caso, é o de que o funcionamento da substância só se torna completo se houver uma troca entre esses corpos: sete dias em um corpo perfeito e outros sete dias em seu corpo normal, tal como um revezamento.
É nesse ponto de ruptura que a trama também entra em uma questão muito forte dentro do espectro feminino. As duas versões não conseguem coexistir em harmonia, mesmo sendo a mesma pessoa, cada versão se odeia, em um sintoma muito claro de uma imposição patriarcal e capitalista. Elisabeth odeia Sue por ser tudo o que ela mais queria e por receber a atenção que ela merecia apenas por ser bonita. Sue odeia Elisabeth pelo descuido com a perfeição, por passar horas na frente da TV, por comer o que teoricamente ela não deveria. Esse ódio (ou auto ódio) consome a personagem nas suas duas versões, que se destroem em um momento catártico com a frase “por favor, me faça bonita de novo”.
Em outro momento bem emblemático na história, Elisabeth se arruma para um encontro com um ex-colega de escola enquanto acha defeitos dela mesma em frente ao espelho, em uma visível comparação com Sue. Ela rejeita tudo que vê, tentando disfarçar suas imperfeições com maquiagem e esconder o decote por não se achar bonita o suficiente na sua idade para usar. Quantas de nós já não nos sentimos assim? É sintomático. Fomos criadas em uma sociedade que rejeita a diversidade dos nossos corpos e que cria constantes tendências que parecem cada vez mais impossíveis de serem seguidas.
A Substância é um filme inteiro sobre uma mulher conscientemente fazendo mal pra si mesma. Diferente de longas que buscam passar uma mensagem conciliadora, aqui a história faz como a vida real e nos esmaga (no sentido, talvez, mais literal da palavra) para um paradoxo de fascínio e desespero em seu ato final. Para mim, o grande horror de A Substância não é o gore explícito ou as cenas que abusam do sangue falso. O verdadeiro filme de terror é ser uma mulher fora do padrão e, mesmo com uma boa autoestima, pensar: se me oferecessem a substância eu provavelmente tomaria.
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