Gael García Bernal triunfa em cinebiografia com tom sensível, mas suntuoso
Foto: divulgação
Cassandro é o nome performático de Saúl Armendáriz, um dos mais famosos luchadores do México nascido dos EUA. Saúl é abertamente gay desde a adolescência e vive com sua mãe, uma imigrante batalhadora que faz de tudo para sustentar seu filho. No final dos anos 80, depois de anos lutando com a tradicional máscara, ele decide assumir o papel de um lutador exótico, assumindo personagens mais maquiados, com traços femininos ou fora dos padrões dos outros luchadores mascarados, e deverá enfrentar vários desafios pessoais e profissionais para se impor no meio da luta livre mexicana.
Dicotomia e dualidade são as palavras de lei tanto da história de Cassandro quanto do filme em questão. Saúl nasceu de um caso extraconjugal entre um americano casado e uma imigrante mexicana, e passou a vida tendo que conviver com o pai que só conseguia vê-lo quando deixava sua esposa e filhas. Ao se assumir gay na adolescência, Saúl perde todo o contato com o pai por esse ser alegadamente religioso demais. Mas da relação com o pai nasce sua paixão pela luta livre. A luta livre mexicana é uma performance que mistura golpes de luta com encenação. E é nesse palco/ringue que Saúl consegue exorcizar seus demônios, angústias e brilhar para quem pudesse vê-lo, inclusive seu pai.
Ao assumir o papel de Cassandro, um exótico, ele resolve deixar de lado uma parte da sua vida que viveu nas sombras, às escondidas. Mas é apenas uma parte. Saúl é apaixonado por outro luchador que vive com uma esposa e filhos, e esse ciclo acaba por interferir no seu desempenho profissional pro bem e pro mal. Os exóticos são criados para perderem as lutas para os luchadores tradicionais mascarados, mas Saúl não quer isso para Cassandro. Sua revolução não pode ser apenas pela metade, ele anseia respeito.
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Tudo isso precisou ser explicado para que o âmago do roteiro, e suas já citadas dualidades, seja compreendido, e, mais do que isso, seja valorizado e exaltado. Ao mesmo tempo em que Saúl precisa ser forte para assumir ser Cassandro o exótico – que é xingado das mais variadas ofensas pelo público sem qualquer problema – ele ainda é o sensível Saúl que luta por um romance fadado ao fracasso. Ao mesmo tempo em que ele se torna uma pessoa pública que atrai olhares e holofotes, ele ainda segue vivendo uma parte de sua vida retraída como foi na infância.
E o hábil diretor Roger Ross Williams sabe equilibrar bem todas essas quase que contradições com flashbacks dosados que harmonizam com o presente sem querer disputar tempo de cena. Roger varia entre uma elegante câmera estável e suave e uma mais orgânica-vérité em cenas menos românticas e mais cruas.
O roteiro cria um ambiente compreensível do contexto do esporte/arte sem querer dar palestrinha. O teor machista e homofóbico, por exemplo, que é cultural e estrutural da lucha libre surge como um condutor para o texto e não como um fator à parte que se destaque dos demais eixos. Todos os detalhes e definições essenciais para a compreensão do que acontece no ringue e fora dele até o momento que se inicia a luta são apresentados de maneira natural e já aplicados no personagem título.
Gael García Bernal está em mais um daqueles papéis que consegue explorar bem o escopo do seu talento. Além de passear pelo drama com pitadas de humor sarcástico, seu trabalho de corpo e execução física é bastante convincente. Mas quem rouba as cenas em que aparece é a mexicana Perla de la Rosa que interpreta Yocasta, mãe de Saúl, com dureza, afeição, sensualidade, graça e paixão.
Mesmo que inserido num recorte local bem específico, a história de Cassandro é universal e reflete muitos conflitos sociais para além do México e do esporte em questão. O filme evita passar por todos os momentos da vida de Saúl – ainda bem – e também escolhe escapar de algumas conclusões de personagens secundários, mas ainda assim traz o que é necessário para saudar o protagonista e dar as flores em vida que sua luta conseguiu conquistar.
Nota: 4/5
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