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  • Foto do escritorDavid Shelter

Crítica | Coringa: Delírio a Dois

Uma decepcionante piada de 2 horas

Foto: Divulgação/ Warner Bros. Pictures


Em 2019, quando Coringa chegou aos cinemas conquistando amor e ódio quase na mesma proporção, ninguém sequer sonhava que cinco anos depois uma sequência existiria. Em 2024, ninguém imaginaria que um filme vencedor do Leão de Ouro em Veneza e 11 indicações ao Oscar, o mais indicado da edição, teria uma continuação que transformaria tudo numa gigantesca piada sem graça. Todd Phillips retorna como diretor de Coringa: Delírio a Dois, e assina novamente o roteiro ao lado de Scott Silver.


Não sou hater de absolutamente nada que envolve esse filme de forma separada. Acho Joaquin Phoenix massa, Lady Gaga é ótima, curto bastante o personagem Coringa, fui entusiasta do primeiro longa e adoro musicais, mas jamais imaginaria que essas coisas juntas me fariam ter sentimentos tão negativos a ponto de me fazer questionar o uso do meu tempo e a minha locomoção para assisti-lo. Não existem formas de amenizar as palavras quando após assistir o meu único pensamento foi “que palhaçada”, sem trocadilhos, Todd Phillips tinha uma ideia e um sonho, a ideia ele não soube trabalhar e o sonho se tornou um pesadelo (e cantado) para o público.


Em Delírio a Dois, somos apresentados às consequências das ações de Arthur Fleck, seus dias de internação e seu julgamento pelos crimes cometidos, e não é exagero dizer que o filme permanece apenas nisso do início ao fim sem sair do lugar. Um loop eterno de vai-e-vem onde os eventos do seu primeiro capítulo são uma sombra constante e que modula tudo sem permitir que a sequência tenha vida própria ou um desenvolvimento que justificasse a sua existência. A começar pelo suposto “delírio a dois” que, na verdade, são apenas rasos delírios a um, já que o “a dois” mal chega a existir. A Arlequina interpretada por Lady Gaga é, sem dúvidas, a versão mais fraca e inconsistente da personagem, não havendo um bom enredo solo que a fizesse ter algum destaque. E deixo claro que não é demérito para Gaga, pois, na verdade, mal tinha o que se trabalhar, pois Lee, como é chamada, tem uma construção rasa, sem qualquer propósito de estar na história e que some e aparece sem que sua falta seja sentida, a sensação é a de que a escolha da intérprete foi pensada apenas pela parte sonora, esquecendo que a personagem deveria ser trabalhada também na história.


Todd Phillips falou que “nunca pensamos exatamente neste termo. Gosto de dizer que é um filme no qual a música é um elemento essencial” ao se referirem ao longa como um musical, e em sua (fraca) defesa, após assistir fica compreensível a sua fala. Ele não estava tentando tirar méritos do gênero, mas já deixando claro o aviso de que ele não sabia como fazer um musical. Quanto a “... a música é um elemento essencial” foi uma clara mentira, já que não há essa essencialidade em parte alguma, se retirar as canções e números musicais a história permanecerá intacta, por mais que mal pensada. Sendo justo, há dois momentos bons envolvendo essa questão musical, uma pelo número em si, que ficou bastante bem feito, e outra perto do fim pelo contexto da cena, em que Arthur canta ao telefone e ali parece sim haver algum sentido em sua cantoria. No geral, é um elemento que não agrega, não é bem-composto, não é bem introduzido e serviu para trazer alguns cortes péssimos na montagem. No fim de tudo, o que Phillips disse soa mais uma forma de tentar quebrar expectativas sobre essa questão em seu filme, se é que existiam.

Foto: Divulgação/ Warner Bros. Pictures


Fazendo justiça ao que se merece, há alguns aspectos que merecem elogios e atenção. A começar pela trilha sonora, assinada novamente por Hildur Guðnadóttir, que venceu o Oscar da categoria em 2020. Por mais que a trama seja fraca e mal elaborada, Hildur consegue exprimir em sua trilha toda a aura e força que mostrou no primeiro filme, fazendo com que se destaque aos ouvidos por mais que não goste do enredo. A fotografia assinada por Lawrence Sher também merece ficar de fora das pedradas, pois, ela é um dos pontos altos, fazendo com que haja sentido no que se vê e fique menos doloroso de assistir. Mas, a coroa de melhor detalhe vai para a abertura animada. Pegando o final do longa anterior e remontando de maneira onírica, a animação com uma vibe bem Warner Bros. Animation traz um início com bastante frescor e criatividade, e que destoa completamente de toda a tragédia que vem depois. Inclusive, torço para que alguém surja com a ideia de fazer uma série animada do personagem naquele estilo, ou pelo menos um curta, repetindo a mesma qualidade inventiva.


Do elenco não se tem muito o que falar, apesar de vários nomes e personagens que deveriam ser destaques, acabam ficando à sombra da imperfeição de construções rasas. Com já dito, Lady Gaga tem sua Lee mal aproveitada, mas isso se estende a quase todos os nomes que são apresentados, quem consegue se salvar um pouco é Harry Lawtey, que interpreta Harvey Dent, o promotor do caso de Fleck, e como tudo se passa boa parte do tempo em tribunal, sua presença acaba se tornando a mais marcante, mas seu aproveitamento não chega nem perto do potencial do ator. Zazie Beets e Leigh Gill reprisam seus papéis, porém, sem qualquer brilho, no caso de Leigh, que traz de volta Gary Puddles, ainda há algum resquício de emoção. Brendan Gleeson é outro grande nome em um papel ínfimo ao seu talento. Quanto ao restante dos personagens não há nenhum que mereça menção ou o suposto destaque trazido em notícias anteriores à estreia.


Há uma evidente tentativa de trazer moralidade, e isso fica bastante óbvio pela forma como tudo se monta, e essa obviedade deixa tudo ainda mais feio. Houve uma humanização do Coringa, e isso não seria um defeito se tivesse sido bem executado, da forma como foi mostrado, a sensação que passou foi a de arrependimento, não do personagem, mas do diretor em ter feito a primeira história da maneira como fez. É como se ele quisesse se anular e anular sua criação, esquecendo que ali é uma obra de ficção com infinitas possibilidades e caminhos. Não há uma inserção orgânica de emoção em relação ao personagem interpretado por Joaquin Phoenix, que, a propósito, reprisa bem o papel. É tudo muito mecânico, sem a sensibilidade necessária para o que queria ser mostrado, e a questão musical aflora ainda mais o esvaziamento de comoção. Fica compreensível que toda essa parte deveria ser Arthur Fleck em conflitos com seu passado, e enfrentando suas questões internas com esses tais delírios, o que não há é um gancho bem orquestrado que conseguisse juntar todos esses elementos para trazer sentido.


Para encerrar, Coringa: Delírio a Dois é, desde seu anúncio, uma sequência que não era esperada, tanto em existência quanto pelo saldo que ficou após ser assistida. É fraco, mal escrito, mal elaborado e mal-executado. É uma ideia que talvez até pudesse ter saído do papel, mas após umas boas melhorias. É um filme que serve apenas para escancarar o medo de um cineasta de explorar seus personagens, e um óbvio medo de delirar como deveria. O palhaço dessa vez foi o público.


Nota: 2/5

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