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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Industry (3ª temporada)

Sem medo de se reinventar, série se consolida como uma das melhores do ano

Foto: Divulgação/ HBO


Se você perguntasse, lá por volta de 2020, a qualquer uma das (poucas) pessoas que estavam assistindo a primeira temporada de Industry sobre o que era a série, provavelmente elas diriam algo do tipo: “é uma mistura de Succession com Gossip Girl”. Não que a resposta não fizesse sentido — afinal a série se propunha a trazer dramas juvenis para um ambiente corporativo repleto de um linguajar técnico hermético —, mas após a conclusão da sua terceira e mais recente temporada, eu vou além dessa definição para dizer que Industry é a herdeira de Mad Men: Inventando Verdades e Halt and Catch Fire que não merecíamos, mas precisávamos.


Não digo isso apenas pela série ser ambientada em um universo profissional específico (agora um banco, no lugar de uma agência de publicidade ou uma empresa de computadores), mas sobretudo pela sua capacidade assombrosa de se reinventar. Em entrevista ao Indiewire , os cocriadores Mickey Down e Konrad Kay disseram que concebem os finais das temporadas como potenciais finais da série, já que a renovação não é exatamente uma garantia. Ao conversar com meu amigo do OP Filipe, comentei que isso me dá a percepção de que eles buscam se arriscar mais ainda, já que em tese não têm o que perder. E para uma obra que se passa num universo repleto de instabilidades, fins e recomeços sempre tão intensos, agressivos e dramáticos, faz todo o sentido que essa seja a abordagem adotada.


Situando-se num período indeterminado após o evento chocante que encerrou a segunda temporada — a saber, a rasteira que Harper (Myha’la) tomou de Eric (Ken Leung) e sua demissão da Pierpoint —, este novo ano centra-se sobretudo na figura de Yasmin (Marisa Abela), que está envolvida em um escândalo relacionado ao misterioso desaparecimento de seu pai (Adam Levy), que vai sendo progressivamente explicado em flashbacks. Enquanto isso, Robert (Harry Lawtey) está trabalhando junto ao bilionário aristocrata Henry Muck (Kit Harrington), cuja empresa está sendo arduamente defendida pela Pierpoint mesmo em meio a diversas controvérsias que envolvem até o governo britânico. Já Eric desfruta de plenos poderes na empresa, mas atravessa um divórcio e revela uma face cada vez mais patética, e Harper, mesmo aparecendo bem menos do que nas temporadas anteriores, ainda é a mente ardilosa (e convenhamos, um tanto sociopata) que amamos odiar... ou odiamos amar.


Uma das coisas que mais me cativam em Industry é como a série é uma rara produção audiovisual contemporânea que não está preocupada em tomar o espectador pela mão e explicar didaticamente seu universo e as motivações e conflitos de seus personagens. Sim, às vezes o jargão financeiro é demais e podemos ficar à deriva (o que na temporada passada foi um problema, a meu ver), mas ele não é o mais importante aqui. Como nas já referidas Mad Men, HACF e Succession , o mais importante é como os arcos dos personagens evoluem — ou regridem — dentro deste universo específico.

Foto: Divulgação/ HBO


Sem subestimar seu público, a série se permite crescer, inclusive a partir dos erros das temporadas passadas, e essa evolução orgânica é nítida em cada um dos oito episódios deste novo ano, que não só disputam entre si os postos de melhores da série, como certamente alguns deles figurarão nas listas dos melhores de 2024. Isso não é pouca coisa quando o cenário que temos é de séries que precisam provar seu valor já na primeira temporada (ou no primeiro episódio) para não sofrerem com o fantasma do cancelamento. Alguém consegue imaginar séries como Família Soprano, A Escuta ou Breaking Bad tendo a chance de crescerem temporada após temporada na lógica atual dos streamings? Por que eu não. Nesse sentido, não tenho como não puxar a sardinha para a HBO, cuja confiança em Down e Kay é refletida no fato da série ter migrado da exibição às segundas-feiras — um segundo escalão da emissora, por assim dizer — para o horário nobre das 22h de domingo. Tal confiança é recompensada com uma temporada que engole as duas primeiras (que já eram ótimas, apesar de problemas pontuais) com uma facilidade assombrosa.


E uma significativa parte da força da série vem do tripé direção-roteiro-atuações. O primeiro episódio é um retorno avassalador, que mal nos dá tempo de respirar antes de jogar na nossa cara mortes, demissões e tanto mais. O roteiro transita entre a inacessibilidade dos jargões financeiros e a crueza ácida dos diálogos dos personagens, que são vividos magistralmente por um dos elencos mais notáveis da atualidade. Seja nas novas adições (Kit Harrington atua melhor aqui do que atuou nas oito temporadas inteiras de Game of Thrones, e Sarah Goldberg é deliciosamente cretina) ou no maior destaque aos veteranos, como Leung e Sagar Radia (que faz o divertidamente detestável Rishi), há uma sinergia poderosa entre esses atores e atrizes. Mesmo que os personagens enfiem facas nas costas uns dos outros — e acredite, isso acontece várias vezes —, essas relações são honestas, orgânicas e dolorosamente reais.


Obviamente o maior mérito vai para o trio principal. Harry Lawtey (que eu não consigo não ver como um jovem Christian Bale) faz do seu Robert uma surpreendente âncora moral nessa temporada, mesmo que constantemente falhe contra seus demônios e suas contradições. Myha’la, como dito, aparece bem menos, mas a atriz aproveita cada segundo em tela para compor uma personagem muito difícil de ser apreciada, mas que para mim é uma herdeira direta dos grandes anti-heróis da prestige TV como Tony Soprano, Don Draper ou Walter White (acha exagero o que eu estou falando? Veja a cena dela com Eric no final do terceiro episódio). E Marisa Abela aproveita com todas as forças o maior protagonismo de Yasmin, transportando-nos para o drama e os traumas de sua personagem, bem como a maneira como ela responde a esses traumas para tentar impor esse controle àqueles à sua volta, apenas para se revelar alguém quebrada — e então partir seu coração numa cena seguinte, deslumbrando-nos com cada nuance dessa figura tão complexa que interpreta.


Com um final de fazer cair o queixo pela coragem — pense em Shut the Door. Have a Seat de Mad Men, ou quando todos os personagens de HACF se mudaram do Texas para San Francisco —, a terceira temporada de Industry se coroa como um exercício fascinante de crescimento e maturidade artística, que devia ser a regra na TV, mas infelizmente não é devido à gana capitalista dos streamings e emissoras. Quem dera toda série tivesse a oportunidade de aprender com seus erros e evoluir de tal forma como visto aqui. Não tenho dúvidas de que a próxima temporada pode ser ainda melhor que esta, mesmo que a série basicamente recomece do zero. Assim como não tenho dúvidas de que este novo ano fez e fará muita gente (como eu) enfim voltar a merecida atenção para Industry e ser completamente fisgado por ela.


Nota: 5/5

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