Crítica | Onda Nova (1983)
- Caio Augusto
- 26 de mar.
- 3 min de leitura
Um filme que escancara o quanto nos tornamos jovens caretas.

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“Futebol me fascina, é espetáculo, é show, é arte”, uma frase que é dita nos minutos iniciais de Onda Nova e que representa o Gayvotas Futebol Clube, time feminino que subverte o futebol com mulheres livres que reagem a um estado de espírito de uma juventude reprimida pela ditadura no Brasil. Filme dirigido por José Antonio Garcia e Francisco “Ícaro” Martins, foi censurado em 1983 e retorna em versão restaurada com distribuição da Vitrine Filmes.
Curiosamente, o longa que expõe a emancipação das mulheres foi lançado no mesmo ano em que o futebol feminino foi regulamentado no Brasil. E, ao acompanharmos um time paulista de futebol feminino, somos levados a uma narrativa de uma espécie de coming-of-age da Boca do Lixo, abordando sexualidade e identidade de gênero de maneira libertadora, quase como um respiro em meio ao período final da ditadura, como uma resposta à repressão. O filme parece tão contemporâneo justamente por retornar 40 anos depois e se deparar com uma juventude que pouco evoluiu de lá para cá, uma juventude entorpecida com atitudes moralistas que acredita que sexo em filme é desnecessário. Justo o sexo, que em Onda Nova permeia todo o discurso; no filme, é a partir do sexo que o filme levanta suas questões, como a liberdade, o descobrimento, o aborto e o desejo.
Um filme sem limites e sem rótulos, um filme sem nenhuma jornada para explorar, prova que, além de tudo, a liberdade é narrativa. Ter um filme brasileiro cujo sexo e futebol são os pilares do prazer é justificável por si só. Confesso que estou curioso para saber como será a recepção desse filme 40 anos depois, após a sociedade ter dado alguns passos para trás e ter abraçado a onda conservadora. Será que estão preparados para ver uma moça pedindo para o Casagrande tirar a virgindade e o Caetano Veloso usando um táxi como motel?
O espírito de juventude de Onda Nova tem todo o seu potencial explorado nas personagens femininas, que vivem seus dilemas de uma juventude universal e de qualquer época. Amor, sexo, drogas, descobertas, decepções. Todos os elementos que compõem uma juventude, mas o grande diferencial é a coragem e ousadia de ter filmado isso dentro da ditadura. É um grito coletivo por liberdade, que prova que só pela transgressão vamos alcançar certos lugares.

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O elenco é cativante e tem participações diversas, já que as cenas não são tão amarradas dentro da jornada que o filme percorre. Destaque para as personagens Lili (Cristina Mutarelli), Rita (Carla Camurati) e Neneca (Neide Santos), que vivem jovens mulheres se descobrindo na cidade grande. A emancipação de tais personagens vem através das relações amorosas, nas quais a sexualidade feminina é evidenciada pouco a pouco durante a trama, seja da personagem jogando o absorvente fora antes da transa, engravidando e logo depois tendo apoio das amigas para realizar o aborto, ou até mesmo ajudando a amiga a dar “fuga” na família.
Onda Nova é divertido porque sabe rir do estado das coisas, sabe o quanto é ridículo ser careta. Não se curva a nenhum tipo de convenção, não permite que ninguém dite as regras e se permite ser livre em sua trajetória. O cinema brasileiro leva uma memória efervescente através das pornochanchadas, e torcemos para que as distribuidoras continuem resgatando essas obras e levando para o circuito comercial. Como diz a música de Tim Maia: Vale tudo!"
Nota: 4/5
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