Filme de Geschonneck mostra um dos lados mais cruéis da II Guerra Mundial
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Na manhã de 20 de Janeiro de 1942, representantes do alto escalão do partido nazista se reúnem em uma mansão à beira do lago na cidade de Wannsee, Berlim, para discutir o andamento do que viria a ser uma das maiores atrocidades da história mundial moderna: o o holocausto. Em “A Conferência” (Die Wannseekonferenz, no original), do diretor Matti Geschonneck, somos transportados aos cômodos do palacete em que as discussões entre os partidários eram travadas com o objetivo de decidir o destino de milhões de judeus – “A Solução Final”, como era chamada.
De início, nota-se que o longa pode ser considerado um ato documental no sentido mais estrito da expressão. Isso porque o diretor Matti Geschonneck e os roteiristas Magnus Vattrodt e Paul Mommertz retiraram quase toda a construção do filme de documentos e gravações da conferência real, cabendo a eles transportar esse material para o suporte cinematográfico, e essa transição é feita da maneira mais sóbria possível. Se Hollywood é conhecida por suas sátiras nazistas esdrúxulas, a cinematografia de Geschonneck mostra o contrário: o relato trazido por ele e seus roteiristas é sóbrio, irresignado e carente de posições críticas. Não há a demonização explícita (ou mesmo implícita) dos militares nazistas, apenas o retrato dos acontecimentos seguidos à risca conforme os relatos históricos que se têm disponíveis; e essa talvez seja a grande sacada do filme.
Ao invés de tecer ele próprio os juízos de valor referentes a essa triste página da história humana, o roteiro deixa o espectador indignar-se a sua própria conta. Aqui, temos a constante presença do que Hannah Arendt denominou “Banalidade do Mal” em seu livro “Eichmann em Jerusalém" (1963), em que trata da naturalidade com a qual os soldados nazistas conduziram suas ações de crueldade contra os povos semitas. Nesse sentido, é nauseante ver a indiferença com a qual os partidários discutem o destino de milhões de pessoas de maneira tão tortuosa, sentimento esse que, em conjunto à indignação, vai escalando conforme os minutos passam e a discussão vai se aflorando.
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Assim, muito embora o longa tenha um peso dramático pautado em toda essa carga, sua narrativa é linear no que tange a sua dramaticidade. Em suas quase duas horas de duração, o filme permanece contido em sua condução: não temos, aqui, grandes conflitos, reviravoltas e muito menos um clímax. As tensões resumem-se a pequenas rixas de poder entre os participantes da conferência, à descrição de acontecimentos que estão ocorrendo simultaneamente nos campos de batalha (visto que o filme se passa na II Guerra) e só.
Por isso, não é equivocado dizer que este é um filme de nicho; o tom histórico atrelado à passada lenta da pode não agradar a todos, já que a narrativa densa soa monótona em muitos momentos
Em termos técnicos, por outro lado, o que temos é uma produção de alto nível visual. O tom sóbrio e meio cinzento da fotografia casa muito bem com a história que o roteiro quer contar, traduzindo com eficácia os acontecimentos ali expostos. A ambientação, apesar de só trazer dois espaços durante todo o filme (interior e exterior da mansão), é muito bem-vinda e devidamente construída, sem falar nos figurinos trajados pelos personagens. Porém, o longa traz a ausência completa de trilha sonora, que traduz a sensação de indiferença perpetrada por aqueles homens na condução de suas discussões acerca da “solução”. É uma escolha ousada e condizente com a história, é verdade, porém traz um aspecto maçante e engessado no desenrolar dos diálogos e sequências.
Com isso, reitero aqui o que falei linhas acima: “A Conferência” não é um filme para todos. A narrativa densa e por vezes monótona pode afastar muitos em seus primeiros minutos. Contudo, ultrapassado desse ponto, o que temos é um filme muito bem dirigido e com um roteiro conciso. Propor-se a traduzir nas telas um momento tão intragável como este não é uma tarefa fácil, ainda mais tratando-se de uma produção dessas proporções e, acima de tudo, assumindo um ponto de vista puramente descritivo. Por isso, apesar de todas essas questões envolvendo o ritmo do filme, esta ainda é uma produção que permanece importante pela indignação que causa, fato este que permite um olhar mais aprofundado em como a crueldade humana pode chegar a níveis absurdos, e o pior, ser cometida por homens comuns.
Nota: 3,5/5
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