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Foto do escritorDavid Shelter

Crítica | A Filha do Palhaço

A arte irônica do cômico e do trágico

Foto: Divulgação/ Embaúba Filmes


Imagine que você tenha que conviver por um tempo com um familiar com quem você não tenha proximidade, intimidade, e que não se sinta tão à vontade próximo. Seria estranho, não é? Porém, imagine também que você precise desse momento de aproximação para esclarecer alguns pontos e questões da vida e entre os dois. Parece menos assustador, certo? Bem, é assim que temos A Filha do Palhaço. A adolescente Joana (Lis Sutter), decide passar um tempo na casa de seu pai, Renato (Demick Lopes). Os dois nunca tiveram um relacionamento de pai e filha normal, ela, que morava com a mãe, só tinha a rápida presença dele nos natais, então é aparente a mágoa que há naquele contato inicial. Uma raiva contida da filha e, ao mesmo tempo, uma curiosidade e necessidade de conhecer aquele homem a quem chamava de pai.


O desenvolvimento da trama acontece em volta dessa convivência, e a partir dela vai moldando a história dos dois e, principalmente, as questões pessoais do pai. Enquanto nos apresenta aquela dança de sentimentos e ressentimentos entre os dois, também somos apresentados à solidão de Renato, um “ex-ator” que agora vive profissionalmente de apresentações de comédia com sua personagem, Silvanelly. Demick Lopes é, inquestionavelmente, o maior destaque do elenco. A entrega de todas as emoções de seu personagem, faz com que o público as sinta e as compreenda. A dor de sua perda, seus conflitos, sua solidão. Demick transmite com tanta veracidade, que não há como não se conectar ao seu Renato, e isso faz com que em muitos momentos fique difícil não reparar na ausência de sentimentos de sua colega de cena.


A direção guia tudo com a maestria necessária para trazer o equilíbrio que a trama pede. Renato traz tantas questões e problemas guardados em si, que esse dueto entre a atuação de Demick e a direção de Pedro alavanca a obra a outro patamar. Você consegue sentir o que o personagem sente, e a graça irônica de como alguém que trabalha com comédia possa ter uma carga dramática tão volumosa é o que dá o toque à história. Apesar de estar no palco rindo e fazendo os outros rirem enquanto Silvanelly, Renato traz em si uma solidão palpável, e no olhar de ser intérprete fica nítida toda a guerra que há dentro de si, o que torna fácil a conexão com quem assiste. Ele mergulha em sua necessidade em trabalhar no palco, mas por trás, é aquela famosa frase clássica que impera; “ninguém sabe como tá a mente do palhaço”.

Foto: Divulgação/ Embaúba Filmes


Pedro Diógenes rege o filme com a mão necessária, coloca todos os sentimentos em seu local devido e não se prende a exageros para evocar a emoção de seu drama. O roteiro, assinado por Diógenes e Amanda Pontes, começa e encerra no ponto certeiro, deixando a sensação de satisfação com a história. Nas questões técnicas o longa também não deixa a desejar, o uso da fotografia é bastante bem aproveitado, principalmente nas cenas em que Demick é o foco. A trilha acompanha bem a trama e o drama, e o encaixe fica bem equilibrado. A participação de Jesuíta Barbosa agrega, mesmo que seu personagem tenha pouco tempo em tela, sua atuação deixa uma marca.


Falando agora como um cearense orgulhoso de sua, é difícil não lembrar do queridíssimo Paulo Diógenes e sua eterna Raimundinha durante o filme. Outro detalhe muito bacana é poder reconhecer vários dos locais por onde o longa passa, e isso trouxe a mim uma sensação maior de proximidade e conexão com a história. Um sentimento de que o cinema pode (e deve) estar em todos os lugares. É gratificante ver e saber que o cinema cearense continua trazendo obras tão boas assim, e torço para que haja ainda mais oportunidades para contar histórias da nossa gente na nossa terra.


Nota: 4/5


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