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Crítica | A Semente do Fruto Sagrado

Foto do escritor: Gabriella FerreiraGabriella Ferreira

Quando um protesto político vira uma trágica desavença familiar

Foto: Divulgação


Sendo um dos fortes candidatos a indicação de ‘Melhor Filme Internacional’ no Oscar deste ano, A Semente do Fruto Sagrado chegou a alguns cinemas do Brasil na última quinta-feira, 9, e vale a pena ser visto e apreciado não só pela sua qualidade como obra cinematográfica, mas também pela sua denúncia e importância política dentro do contexto iraniano. Dando uma explicação macro, em 2022, a estudante Mahsa Amini, de 22 anos, morreu após ser detida pela polícia da moralidade do Irã, por deixar uma mecha do cabelo para fora do véu. 


A tragédia foi o estopim para uma onda de protestos de jovens iranianos pela liberdade — que resultou na morte de mais de 300 pessoas nas mãos da polícia local. O evento e os protestos pautam a trama do filme feito em segredo pelo diretor Mohammad Rasoulof que, por conta da perseguição do governo iraniano, representa a Alemanha na corrida pelo prêmio do Oscar. Portanto, é inevitável também falarmos também sobre o contexto de sua produção:  Rasoulof foi condenado a oito anos de prisão por fazer filmes e documentários que o regime do país julgou como inapropriados. Ele apelou a sentença, e aproveitou a demora burocrática para quebrar sua tornozeleira e fugir e apresentar A Semente do Fruto Sagrado para o mundo como forma de denúncia do que acontece no seu país de origem. 


Na trama de A Semente do Fruto Sagrado, o recém-promovido a juiz de instrução, Iman, luta contra a paranoia e o esgotamento mental em meio à agitação política em Teerã. Sua esposa, Najmeh, e suas filhas adolescentes, Rezvan e Sana, o respeitam e precisam viver com um certo anonimato por conta do que Iman faz no trabalho. Muito além de ser juiz de instrução, ele precisa aprovar julgamentos enviados por seus superiores sem avaliar provas, incluindo sentenças de morte. Quando sua arma desaparece, ele suspeita de sua esposa e suas filhas, impondo medidas severas. Mesclando ficção e realidade, ele transforma os maiores e mais persistentes protestos desde a fundação da República Islâmica em 1979 em uma trágica desavença familiar.


É desde os seus segundos iniciais que percebemos a atmosfera de tensão da sua trama. A ideia de centrar a história nesse núcleo familiar tão específico foi algo que me agradou demais aqui e em diversos momentos, tracei paralelos com histórias que ouvi de amigos e colegas, onde muitos destruíram suas relações familiares por não concordarem com opiniões e ideais conservadores dos pais. Quando entendemos a nossa família protagonista e conhecemos mais, principalmente, sobre as filhas adolescentes, vemos como a nova geração pode ser o combustível necessário para uma mudança de paradigma. A Semente do Fruto Sagrado entrelaça muito bem a história desse núcleo ficcional com os protestos que aconteceram de verdade e nos faz observar o mundo pelos olhos de cada indivíduo que faz parte dessa família. 

Foto: Divulgação


Mérito do bom texto de Rasoulof, em especial nas conversas entre as irmãs e a mãe, diálogos que tornam tudo tão natural que, em determinados momentos na primeira parte do longa, parece que estamos assistindo uma gravação de uma câmera escondida na sala de estar. Muito disso também se dá a excelente ambientação do longa, além dos excelentes jogos de câmera que aumentam a sensação de claustrofobia que sentimos as personagens, que sentem-se de mãos atadas, presas em casa, enquanto muitos perdem a vida por protestar a favor da liberdade feminina. 


A utilização de vídeos reais para ilustrar essas cenas de protesto dão esse ar mais documental, mas A Semente do Fruto Sagrado insere bem esses ‘inserts’ através das redes sociais de Rezvan e Sana e também dos jornais acompanhados pela matriarca da família. Essa ideia também coloca em perspectiva a sensação da dupla narrativa existente nos atos pela visão das redes e pela deturpação do governo através das suas fontes oficiais, fato que também se repete nesse núcleo familiar, afinal, as jovens acreditam no que ouvem nas ruas, enquanto os pais seguem copiosamente e rigorosamente tudo que o governo diz. 


Quando o longa engrena em algo mais puxado para um thriller, já no seu clímax, evocando um mistério sobre o paradeiro da arma de Iman, vemos o medo à flor da pele nos olhos de todos da família, cada um dentro de suas perspectivas e defendendo aquilo que acredita. Iman, por exemplo, defende o governo, já Rezvan e Sana, a liberdade e Najmeh defende suas filhas. Em um estopim, A Semente do Fruto Sagrado entrega uma conclusão que te deixa arrepiado dos pés à cabeça, depois de te deixar vidrado por mais de 2h47 de projeção. 


Forte, potente e muito necessário para entendermos sobre a realidade feminina em outras partes do globo e também sobre regimes e opressões políticas e religiosas, A Semente do Fruto Sagrado é um forte concorrente para o Oscar e realmente merece figurar entre as melhores produções do último ano.


Nota: 4.5/5

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