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  • Foto do escritorAianne Amado

Crítica | Aftersun

A máxima de “cinema como a arte de esculpir com o tempo” levada a sério

Divulgação: O2 Play/MUBI


Ao decidir contar uma história em filme, o artista tem em suas mãos o desafio de dar ao público uma narrativa completa e suficientemente interessante em um período extremamente limitado. Para isso, normalmente fazem uso de conflitos grandiosos, clímaxes espetaculares e ações inusitadas. Do outro lado da tela, o público, já acostumado com esse padrão, espera esse momento extraordinário acontecer – e ele quase sempre acontece.


Mas esse não é o caso de Aftersun, estreia da diretora Charlotte Wells, que também assina o roteiro. E por mais intimidador que possa parecer fugir desse padrão, originalidade de Welles teve resultado positivo: ao longo de 2022, a obra vem sendo aclamada nas mais diversas premiações internacionais, desde o Festival de Cannes ao British Independent Film Awards.


Como um bom filme, Aftersun não faz questão de se explicar e conta com a paciência e lucidez do público. Desde o início sabemos se tratar da história de Calum (Paul Mescal), a completar 31 anos, e de Sophie (Francesca Corio), de nove. Mas quem são eles? Porque estão sozinhos nesse quarto? Calum parece jovem e descontraído demais para ser pai da menina, mas então por que estão juntos nessa viagem? Quem confiou a criança a um adulto com cara de adolescente e braço quebrado, incapaz de acender seu próprio cigarro? Devemos nos preocupar com a segurança dela? Qual a última vez que vimos um homem adulto e uma menina em relação tão íntima?

Divulgação: O2 Play/MUBI


Enquanto Sophie dorme, Calum liga para a recepção e reclama que, apesar de ter especificamente solicitado duas camas separadas, o quarto que foram alocados possui apenas uma, de casal. E assim entendemos que Sophie está em boas mãos. Algumas cenas depois, Calum corrige outros hóspedes que, assim como nós, parecem não entender a relação. Agora está afirmado que os personagens são, sim, pai e filha.


É nessa calmaria que o filme se leva. Não adianta fazer perguntas, elas não serão respondidas ao nosso tempo. É preciso observar e esperar. Por sorte, ao fazer isso, contamos com o fascinante talento de Mescal, que consegue exprimir tudo que precisamos saber em toda sua sutileza e, com ela, cria uma dinâmica de imensa familiaridade em suas interações com Corio.


Durante todo enredo temos a constante sensação de que estamos na iminência de que algo ruim vai acontecer. Na fotografia de Gregory Oke, as cores vibrantes contrastam com os enquadramentos inquietantes, dispostos, pela montagem de Blair McClendon, em planos muito mais longos do que estamos acostumados e de um sonoridade perturbadoramente silenciosa, instaurando um clima de desconforto e melancolia que nos deixam em estado de alerta. Mas nada nunca acontece, pelo menos não imediatamente. Os conflitos existentes – como a máscara de snorkel perdida em alto mar ou o desentendimento a respeito de uma canção do karaokê – não passam de atritos comuns numa relação indubitavelmente amorosa entre pai e filha. Até o ápice da tensão do filme, com um Calum embriagado mergulhando de madrugada enquanto Sophie tenta se enturmar com os adolescentes do hotel e fica trancada para fora do quarto, se resolve com um simples pedido de desculpas. E a vida segue.

Divulgação: O2 Play/MUBI


O longa não é sobre as férias de Calum e Sophie, mas sim sobre as memórias dessas férias. De fato, algo ruim aconteceu: não sabemos como, quando ou onde, mas Calum morre pouco tempo depois das férias. Entramos na mente da Sophie adulta (Celia Rowlson-Hall), de mesma idade que o pai tinha durante a história central, e, a partir de vídeos antigos e lembranças por esses despertadas, tentamos remontar aquela viagem de verão à Turquia para assimilar detalhes que a inocência infantil não permitiu que fossem enxergados (ou até foram, porém não com a maturidade devida). E os detalhes estão ali: no Tai Chi, nos livros de autoajuda, na outra rodada de bebida, na cuspida no espelho… Queremos conhecer aquele pai, de novo. Agora, talvez, um pouco melhor.


Em Aftersun, assim como na vida, a história não é definida em alguns minutos. Não vai existir um grande plot twist e tampouco um mentor vai surgir nos orientando como seguir a jornada em busca do final feliz. Aqui, quem dá a ação e torna o conflito grandioso é o tempo – os 101 minutos de filme e as duas décadas que separam a Sophie criança da Sophie adulta.


Nota: 4,5/5

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