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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Armadilha

M. Night Shyamalan ri dos seus próprios absurdos... mas só até certo ponto

Foto: Divulgação


Ame-o ou odeie-o, M. Night Shyamalan é plenamente consciente do tipo de cinema que faz, o que, por si só, já é um tipo de mérito, visto o quanto é rara tamanha autoralidade (por mais divisiva que seja) num cenário escasso de ideias originais como a Hollywood mainstream contemporânea. Da minha parte, não vi tantos filmes dele para me posicionar como um defensor ou detrator seu, mas considerando o que já assisti da sua filmografia, pode se dizer que Armadilha sintetiza bem as virtudes e defeitos do seu cinema.


Aqui, temos Cooper (Josh Hartnett), um pai atencioso e amoroso que leva sua filha Riley (Ariel Donoghue) ao show da sua artista favorita, Lady Raven (Saleka Night Shyamalan, também conhecida como filha do diretor). Porém, a excessiva força policial na arena onde o show está sendo realizado logo desperta a atenção de Cooper, que descobre que o concerto é uma armadilha (ba dum tss) para capturar o serial killer conhecido como Açougueiro. O problema? Cooper é o Açougueiro.


Antes que você me xingue pelo spoiler, essa revelação não só é feita com menos de 10 minutos de filme, como foi ostentada em todo o material promocional do filme. Sei que em se tratando de Shyamalan, plot twists são quase sinônimos dos seus filmes, mas não é o caso aqui, pois importa muito mais saber como Cooper vai conseguir escapar do que o fato dele ser um serial killer. E nisso o longa se sai muito bem, construindo uma atmosfera primorosa de dúvida e tensão conforme acompanhamos o ponto de vista do protagonista e seus esforços mentais para não ser pego ao mesmo tempo em que tenta ocultar a verdade de sua preciosa filha.


A decisão de manter o longa quase sempre do ponto de vista de Cooper (ao menos na primeira hora — mais sobre isso à frente) é um toque de mestre de Shyamalan, que brinca com as expectativas dos espectadores quanto a saídas, objetos, obstáculos e tudo mais que pode ajudar ou atrapalhar o personagem a escapar. Diga o que quiser do homem, mas ele é um diretor como poucos: o nível de subjetividade alcançado través da câmera e da encenação nos torna quase cúmplices de Cooper — e certamente muitos moralistas vão chiar, achando que o filme “passa pano” para as ações do personagem. Mas ao adotar um tom deliberadamente cômico, a direção de Shyamalan converte a tragédia e o suspense em farsa e espetáculo, abraçando o absurdo e a autoconsciência com um esmero que, imagino eu, vai ser duramente criticado por muitos, mas é onde reside a força do filme.

Foto: Divulgação


É justamente por isso que quando Armadilha se afasta da perspectiva de Cooper (e, não coincidentemente, do tom farsesco e cômico), ele enfraquece nitidamente. O roteiro de Shyamalan resvala nas muitas conveniências; não que elas não existissem antes, mas eram amparadas justamente pelo absurdo autoconsciente — como quando o próprio diretor aparece em cena em uma das suas costumeiras participações especiais, dando um novo sentido à expressão deus ex machina. Ao longo da sua segunda metade, porém, vê-se uma obra que tenta cada vez mais se levar a sério, sofrendo pelas já referidas conveniências e também de uma condução anticlimática, onde temos entre três a quatro finais possíveis, como se o filme não soubesse quando parar.


Não ajuda que as tendências nepotistas de Shyamalan o façam colocar Saleka como uma co-protagonista nessa segunda metade do filme. Nada contra nepobabies (o cinema sempre esteve repleto deles(as), afinal de contas), mas como atriz Saleka é uma ótima cantora, e sua atuação já fraca empalidece ainda mais quando contracena com Hartnett. Ela é muito melhor aproveitada quando filmada à distância no concerto, e inclusive adoraria que as músicas tocadas no show (as quais foram compostas para o filme, inclusive) fossem disponibilizadas. Além do mais, a cena dela apelando para uma live no Instagram com seus seguidores é um dos raros momentos inspirados dessa segunda metade, junto com as duas cenas finais que resgatam um pouco do absurdo da primeira hora.


Felizmente, o próprio Hartnett se mantém constante ao longo do filme, sendo seu maior trunfo. Se na década passada tivemos a “McConaissance” de Matthew McConaughey, nada mais justo termos agora a “Hartnettsance”, já que o ator, que passou alguns anos longe dos holofotes em papéis menores, parece agora superar sua persona de galã da década de 2000 para assumir papéis mais desafiadores, dos quais Armadilha pode vir a ser o mais emblemático. O cinema está recheado de psicopatas carismáticos, como Norman Bates e Patrick Bateman, e Cooper vem para se juntar a esse panteão. Ainda que beba diretamente desses dois, Hartnett dá sua própria essência ao personagem, transitando com uma facilidade assustadora entre a personalidade “pai de menina” e “serial killer aterrorizante”. A maneira como uma breve inflexão, um leve contrair de músculos, um simples olhar, uma reação demorada e tantos outros detalhes o fazem alternar entre esse lado mais carismático e humanizado e aquele mais psicopata é um demonstrativo da excelência do ator, que nunca nos deixa esquecer o perigo que seu personagem representa mesmo em meio ao tom farsesco da obra.


Apesar dos percalços, Armadilha certamente entrega seus méritos, mostrando que Shyamalan sempre tem muito a oferecer mesmo que não acerte 100%. Dificilmente vai trazer novos convertidos ao seu tipo de cinema, mas reflete muito pelo qual ele é amado (e também odiado), ancorando-se na performance magnética de Hartnett e no uso do humor para contrastar com o suspense, resultando num dos longas mais acessíveis de sua carreira — e certamente o mais divertido.


Nota: 3/5

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