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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Babilônia

Damien Chazelle declara seu amor ao cinema em um anti-La La Land

Divulgação: Paramount Pictures


O cinema de Damien Chazelle é um cinema sobre obsessão, sobre os sacrifícios que as pessoas precisam fazer em nome de seus sonhos. Embora até aqui ele sempre tenha apresentado isso através de um viés romântico (embora não necessariamente romantizado), é nítida a diferença na sua abordagem aqui em Babilônia em relação aos seus filmes anteriores, especialmente La La Land: Cantando as Estações. É como ver o cruzamento entre Cantando na Chuva, Boogie Nights: Prazer Sem Limites e O Lobo de Wall Street, trazendo as histórias de diversas figuras em Hollywood durante a transição do cinema mudo para o falado.


A referência a esses três filmes não é à toa, já que Chazelle tem dívidas explícitas para com eles, especialmente Cantando na Chuva, que abordou o mesmo período histórico (embora de maneira muito mais otimista e pura); o diretor não só inclui diversas referências indiretas como também literais, como visto no epílogo. Já de Boogie Nights: Prazer Sem Limites e O Lobo de Wall Street ele extrai os arcos de ascensão e queda dos vários personagens, o humor sombrio, a devassidão e o senso de caos que permeia quase toda a narrativa.


Chazelle sempre se mostrou um diretor de imenso talento (seu Oscar por La La Land: Cantando as Estações não é nada injusto), mas aqui e admirável o controle que ele imprime sobre as três horas do longa, conduzindo o caos das múltiplas tramas paralelas sem que nos deixe nos perder. Exemplo disso é a fantástica sequência estendida de abertura: poucas vezes uma sequência inicial conseguiu capturar tão bem o espírito e a atmosfera de um filme e de seus personagens como a festa orgiástica que vemos nos primeiros 20 minutos. É um filme que cheira a suor, sangue e fluídos corporais - embora estes últimos sejam em sua maioria dispensáveis, mas admiro a coragem de inseri-los sem pudor aqui. Discordo inclusive de quem ache a obra moralista, pois a meu ver Chazelle consegue trazer uma crítica ao moralismo que sempre definiu Hollywood e a reação às suas obras (e que hoje é ainda presente, mesmo entre o dito público mais progressista).

Divulgação: Paramount Pictures


A fluidez da montagem de Tom Cross não apenas permite que conheçamos esses personagens e esse universo, como consegue sustentar o ritmo do longa de tal forma que poucas vezes sentimos a sua duração pesar, além de costurar perfeitamente eventos paralelos que a princípio parecem pouco conversar entre si. Da mesma forma, a fotografia de Linus Sandgren consegue tanto capturar a opulência, devassidão e calor desse universo quanto seu lado mais sombrio, e a mudança na paleta de cores no decorrer do filme é um dos elementos que nos permite observar a degradação e tragédia dos personagens. Já a trilha sonora de Justin Hurwitz aposta mais uma vez no jazz que define a filmografia do diretor, mas aqui com alguns toques anacrônicos e bombásticos que também amplificam a grandiosidade caótica da obra.


No que se refere ao elenco, enquanto Margot Robbie e Brad Pitt não entregam performances muito longe do que costumam entregar habitualmente (ela como uma atriz iniciante maníaca e autodestrutiva e ele como um ator veterano decadente e cínico), ainda assim brilham sem esforço. Já Diego Calva é a grande revelação do filme, entregando um arco mais sutil, mas não menos memorável, que demanda uma performance mais contida que contrasta com o histrionismo do restante do elenco - e por isso as raras cenas em que se excede se tornam ainda mais impactantes. É uma pena que o mesmo espaço reservado a eles não seja destinado a Jovan Adepo e Li Jun Li, cujos personagens têm bastante significado simbólico dentro da trama pela forma como seus personagens precisam lidar com o racismo e a homofobia. Entretanto, a impressão é que se tem é que o filme acaba "marginalizando-os" da mesma forma que pessoas negras e asiáticas foram marginalizadas em Hollywood - e no caso de Li, é criminoso que ela seja retirada de cena tão cedo justamente no momento em que sua personagem parece enfim receber um arco próprio.

Divulgação: Paramount Pictures


A forma como esses dois personagens são escanteados ilustra os problemas mais flagrantes que o filme passa a ter a partir da sua segunda metade, onde o tom satírico e exagerado da primeira metade cede espaço a uma abordagem mais pessimista e trágica. Essa mudança quase abrupta de tom também interfere nos demais personagens (principalmente no de Calva), mas ainda assim Chazelle consegue manter alguns elementos absurdos e bizarros - o principal exemplos disso sendo a sequência com o personagem de Tobey Maguire, que parece saída de um pesadelo. Mas nem considero esse o principal problema do filme: a meu ver, o diretor parece tão preocupado que sua abordagem satírica e escatológica seja vista como um repúdio ao cinema que ele se vê na necessidade de inserir diversos monólogos que ilustram seu amor a essa arte. Entretanto, esses monólogos nunca soam orgânicos, destoando do tom da obra - e não à toa, há diversos momentos em que essa paixão de Chazelle é nítida sem apelar ao didatismo, como numa sequência de gravação ao pôr-do-sol num set. Mas é nítido que ele se deixa levar por essa abordagem discursiva pouco prática, que culmina numa montagem final que até soa como uma verdadeira carta de amor ao cinema, mas não deixa de soar piegas.


Babilônia pode ter seus problemas de ordem narrativa, mas eles são compensados pelo esforço hercúleo que seu diretor imprime sobre a obra, que soa exagerada, caótica, barulhenta e gráfica - e consegue funcionar em sua abordagem em grande parte do tempo. Ao romper drasticamente com sua persona de bom moço cultivada nos filmes anteriores, Damien Chazelle criou um filme que é um espécime em extinção: um épico de estúdio que desafia a produção fordista das franquias de blockbusters e também o moralismo reinante de Hollywood e de seu público e crítica. Ame-o ou odeie-o, é admirável esse feito, já que dificilmente veremos filmes assim no futuro. E não é difícil visualizar daqui a décadas esse filme ganhando o devido reconhecimento que não está tendo hoje, tal qual foi com os homens e mulheres como aqueles que aqui vemos.


Nota: 4/5

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