Bill Hader honra a ousadia de sua criação até o fim.
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Desde seu começo, Barry sempre foi definida por uma palavra: imprevisibilidade. A começar por sua própria premissa, onde seguíamos um ex-fuzileiro naval e assassino de aluguel que se encontrava no universo do teatro e do audiovisual de Los Angeles. Ao absurdo dessa ideia se juntava uma abordagem única para o humor, tudo enquanto íamos de uma sátira ácida sobre Hollywood até uma comédia de erros envolvendo mafiosos.
Mas no coração da série sempre pulsou uma escuridão e uma selvageria que a nortearam para rumos cada vez mais difíceis de prever, mostrando que seus criadores, Bill Hader e Alec Berg, não tinham medo de tomar os caminhos menos óbvios. Prova disso é que o final da terceira temporada poderia muito bem ser o da série, com Barry (Hader) preso pelo assassinato de uma detetive após uma armadilha montada por seu mentor Gene (Henry Winkler), sua namorada Sally (Sarah Goldberg) fugindo para a cidade natal e seu amigo mafioso NoHo Hank (Anthony Carrigan) resgatando o namorado Cristóbal (Michael Irby) para tentarem ter uma vida feliz juntos. Mas no mundo de Barry, a felicidade não é o bastante. Talvez seja impossível de se alcançar.
É por isso que no começo da quarta e última temporada, não tarda para esses personagens voltarem aos seus antigos padrões: Hank quer o sabor da sua vida de crime, Gene não consegue segurar seu ego diante do papel que teve na prisão do ex-pupilo e Sally não precisa de muito em sua antiga vida para querer retornar ao show business de Los Angeles. Apenas Barry parece não retornar a algum lugar, pois na verdade ele nunca saiu de onde estava, mesmo que agora esteja preso: Hader, que aqui assume a direção de todos os episódios após brilhar nas temporadas anteriores, não está disposto a fazer concessões sobre o que acha de seu protagonista e de como deve apresentá-lo ao público. Se você acha que essa é apenas mais uma história de um anti-herói trágico de bom coração, então não está prestando atenção.
Se imprevisibilidade norteava as temporadas anteriores, aqui ela parece elevada à enésima potência, conforme Hader e sua equipe de roteiristas desafiam e alteram o status quo de seus personagens, sem medo de trazer as consequências das suas escolhas (sobre si mesmos e sobre os outros). Parece muito para acompanhar numa temporada final, e essa sensação é ainda mais intensificada pelo plot twist inserido ao final do quarto episódio, que muda radicalmente a dinâmica da narrativa. Mas mesmo que tal decisão tenha desagradado uma parcela do público, é de se admirar a coragem com a qual Hader se atém a essa narrativa sinuosa e ousada e as possibilidades que ele trabalha a partir dela, mantendo um compromisso com sua visão artística tão distinta.
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Ele não hesita em dar à série aqui uma guinada ainda maior rumo ao experimental e surrealista, conforme brinca com outros gêneros – há momentos aqui que conseguem ser mais assustadores que filmes inteiros de terror, enquanto a ação nunca é filmada de maneira clichê. E ainda segue tecendo críticas mordazes a Hollwyood, seja na aparição de nomes como a diretora de CODA, Sian Heder (isso para não contar a participação hilária de Guillermo Del Toro), ou no genial epílogo da série que mete o dedo na ferida do tratamento dado casos de crimes reais em obras audiovisuais.
Ajuda que, mesmo com as curvas que a temporada toma, tenhamos em tela um dos melhores elencos recentes que está no seu melhor aqui. Carrigan sempre foi a alma e a leveza da série, mas aqui tem a possibilidade de trazer novas nuances ao seu Hank que também revelam sua latitude dramática. Winkler consegue trazer o equilíbrio e humor perfeitos a um personagem que no papel é absolutamente detestável dado o tamanho do seu ego, sendo capaz de nos vender cenas tão sensacionais como aquela em que Gene acredita que será interpretado por ninguém menos que Daniel Day-Lewis. Já Sarah Goldberg, que desde a temporada passada já vinha se firmando como a grande revelação da série, aqui se sobressai mais uma vez ao interpretar uma personagem muito difícil de ser apreciada, mas que carrega tantas facetas e complexidades que é soberbo vê-la em cena, seja nos momentos em que sua Sally está mais alterada e histriônica ou naqueles mais silenciosos.
Mas é Bill Hader, no seu triplo trabalho de showrunner, ator e diretor, que se destaca ao compor um protagonista que, como dito antes, foi sendo desconstruído para ser temido e odiado, tudo enquanto ainda mantinha sua centelha de humanidade. Por trás das câmeras, embora faça um trabalho menos chamativo do que em temporadas passadas, ele se revela um dos diretores mais criativos desta geração, especialmente na sua mescla de gêneros – mal vejo a hora de vê-lo dirigindo um filme de ação ou de terror.
A quarta e última temporada de Barry pode não ser a melhor da série, mas isso é mais mérito do altíssimo nível deixado pelas anteriores do que demérito dela. É um final que talvez nem precisássemos, dada a forma como a temporada anterior terminou; mas como li num comentário, aqui é como se Bill Hader quisesse trabalhar a figura mítica de Barry, sem deixar de dar finais em sua grande maioria agridoces, mas absolutamente coerentes com esses personagens e suas trajetórias. Fiel apenas à sua imprevisibilidade, Barry se encerrou como uma das séries mais distintas e geniais do nosso tempo, borrando as barreiras entre os gêneros para se firmar como uma das melhores obras já exibidas na TV.
Nota: 5/5
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