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Crítica | Dahomey

Foto do escritor: Vinicius OliveiraVinicius Oliveira

Sobre retornos, memórias e pertencimentos

Foto: Divulgação


Vencedor do Urso de Ouro em Berlim neste ano e representante de Senegal às categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Documentário no Oscar 2025, Dahomey, dirigido por Mati Diop, segue a jornada de volta de 26 peças (entre esculturas, estátuas e outros patrimônios) para o Benim após 130 anos mantidas na França depois que as tropas coloniais francesas as levaram do então reino de Daomé. Diop, no entanto, não segue uma abordagem tradicional no sentido de limitar o filme a entrevistas com personagens e fontes que discutem a importância e as nuances desse evento, mas também borra os limites entre o real e o mágico ao dar “voz” a uma dessas estátuas, dotando-a de subjetividade para que entendamos o quão complexo é esse retorno.


A voz etérea da estátua, nem masculina nem feminina, suas reflexões e meditações sobre o que significa “voltar para casa” após mais de um século — pode essa casa ainda reconhecê-la quando tanta coisa mudou? —, a posição subjetiva em que a câmera de Diop nos situa (até mesmo na escuridão da caixa na qual a estátua é levada para o Benim): esses e outros recursos adotados pela diretora conseguem ilustrar com potência a ideia de que não estamos vendo “coisas” sendo devolvidas à sua terra natal, mas sim expressões da identidade, cultura, memória e talvez até mesmo da alma de um povo. Dentre todas as muitas mazelas que a colonização impôs aos povos africanos (e que facilmente ecoam no que foi feito na América também), privá-los de seus próprios patrimônios, ainda que “apenas” os materiais, é um dos mais perversos, conforme ilustrado quando, na segunda metade do filme, um jovem cita que cresceu assistindo Disney, Avatar e Tom e Jerry, mas nunca viu uma animação que contasse a história do reino de Daomé.

Foto: Divulgação


Esse e outros discursos que povoam a segunda metade — estruturados em torno de um debate em um ambiente universitário — se destacam pela contundência e complexidade da discussão, a respeito das reais intenções da França e do presidente do Benim (afinal de contas, foram apenas 26 de 7000 peças devolvidas até então), o quanto essas peças de fato podem servir à manutenção da memória do país, o acesso de toda a população a elas, e muito mais. Mas, embora aprecie esse bloco e como ele mostra que não há respostas fáceis sobre o assunto, não deixo de sentir que ele é um passo atrás rumo a uma abordagem documental mais convencional, reiterando ideias e sentimentos que a primeira meia hora, mais hipnótica e atmosférica, já vinha cravando bem sem tamanha necessidade de apostar no texto.


A despeito dessa mudança sensível de angulação, Dahomey preserva sua força ao retomar o fluxo quase onírico dessa viagem que, mais que geográfica, é histórica, política e emocional. Sim, 26 peças de 7000 ainda é muito pouco para reparar todas as chagas perpetradas pela colonização, mas se sobressai o sentimento de uma das jovens de debate — que diz ter chorado por mais de 15 minutos ao vê-las expostas no palácio do governo. Como poderia ser diferente, quando você enfim pode contemplar a alma coletiva que foi roubada de sua terra? Há um começo, e as escolhas formais e narrativas de Diop, por mais contidas e “pequenas” que pareçam, abrem um leque de possibilidades para que seja discutido (e filmado) o que ainda há de ser feito para que essa alma coletiva seja plenamente recuperada.


Nota: 4/5


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