Apesar de quase se perder no meio, se encontra no fim e se mostra digna de reflexões
Foto: Divulgação
Quando soube da minissérie, já fiquei com a expectativa lá em cima. Cate Blanchett e Kevin Kline protagonizando com Alfonso Cuarón, um dos meus diretores favoritos, adaptando o roteiro do livro homônimo de Renée Knight e dirigindo, não tinha como não ficar animado. Porém, devo dizer que esperava mais, pelo menos mais consistência. Na trama, Catherine Ravenscroft (Blanchett) é uma documentarista renomada, mas tudo muda para ela quando recebe um livro de um autor anônimo, no qual se torna a protagonista e seus segredos mais obscuros são revelados. É uma premissa instigante, mas eu desconfio que renderia mais em um filme do que em uma minissérie.
O que é constante são as performances espetaculares de Blanchett e Kline. Ele, um homem que perdeu tudo e não tem mais nada a perder, carregando uma dor no olhar que é impossível não sentir empatia. Ela, uma mulher que tem muito em jogo, mesmo com um filho problemático, uma atuação contida de início, mas sempre firme e que vai aumentando o grau de complexidade junto com o desespero de Catherine, e é nos últimos episódios que ela atinge o ápice. Falando no filho, este que é um personagem de uma nota só e com uma atuação muito aquém de Kodi Smit-McPhee, um jovem ator que é muito mais capaz do que mostrou aqui, e Ataque dos Cães não me deixa mentir. Outro personagem patético é o marido de Catherine, feito por Sacha Baron Cohen, que também não está bem no papel, porque mesmo que o texto não ajude, o ator não consegue convencer. Lesley Manville sempre excelente, mesmo aparecendo pouco, tem uma forte presença e quem também merece destaque é Leila George, versão jovem de Catherine, que é muito eficaz em transitar entre a inocência e a sensualidade. Louis Partridge não vai muito além do que se espera, mas não faz feio.
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Começa ótima, com dois episódios que constroem o suspense e apresentam o enredo e os personagens principais muito bem, utilizando de uma narrativa não-linear para isso. Do 3º para o 4º episódio, a qualidade começa a cair com algumas repetições de dinâmicas que já haviam sido estabelecidas anteriormente, mas ainda me manteve fisgado. O 5º, no entanto, é o fundo do poço. Quer mostrar a derrocada profissional de Catherine, mas o faz de uma maneira tão exagerada que beira o ridículo. É de causar vergonha e não de uma forma intencional. Quando assisti já pensei em compará-la com The Undoing, minissérie da HBO estrelada por Nicole Kidman, que começa fantástica e vai se tornando cada vez pior. Felizmente, no 6º já senti uma leve melhora, no entanto ainda quis me manter pé no chão e fui surpreendido pela 7ª e última hora, que é onde produção se reencontra de vez e consegue encerrar com dignidade.
Apesar de irregular, o saldo final da minissérie ainda é bastante positivo. É filmada de uma forma muito elegante, com a fotografia usando tons opacos que às vezes contrastam com a luz solar, enquanto conversam com um ambiente geralmente bagunçado. Há problemas de conveniências no roteiro, isto é inegável, mas se tornam pequenas quando a verdade vem à tona. O desfecho amarra bem a trama com uma reviravolta um tanto previsível, mas que montada de uma forma criativa, traz o impacto necessário, assim como levanta diversos questionamentos e mesmo que responda muitos, ainda deixa brechas pare te fazer refletir sobre maternidade, misoginia, vingança e família, encerrando o ciclo iniciado lá no primeiro episódio de uma maneira forte, principalmente colocando na nossa cara algo que estava lá desde o início e nosso julgamento pré-estabelecido não nos deixou enxergar, ainda mais quando se trata de figuras femininas ou de o amor de uma mãe pelo filho. A traição não é um crime, mas perante a sociedade, parece ser o pior pecado que uma mulher pode cometer e isto a produção mostra muito bem, quando coloca Catherine no olho do furação, parecendo que o perdão não seria uma opção ou sequer o benefício da dúvida. Não quero dar spoilers, então não vou me alongar, mas para encerrar eu diria que “quem ama o feio, bonito lhe parece” é o ditado que mais cabe aqui, sem me referir a beleza exterior.
Nota: 3,5/5
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