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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Ferrari

Michael Mann mostra como se faz uma cinebiografia de verdade

Foto: Divulgação


O cinema de Michael Mann é composto por homens movidos por seus princípios, conflitos e paixões; ou como li mais cedo num ótimo texto de um colega crítico, homens que defendem sua moral a unhas e dentes não importa de que lado estejam. Estes homens são também definidos pelo que há de mais trágico na masculinidade tóxica, seja na incapacidade de constituírem relações afetivas ou na maneira como são tragados por sua própria moral mesmo quando o mundo não funciona moralmente.


À primeira vista, Ferrari não parece um típico filme do diretor, pelo menos não na visão daqueles que os conheceram através de obras como Fogo Contra Fogo, Colateral e Miami Vice. Mas não apenas biografias são comuns na filmografia do diretor – vide O Informante e Ali – como em apenas alguns minutos do seu novo longa já vemos o suficiente de Enzo Ferrari (Adam Driver), bem como de seu poder, suas contradições e dilemas, para compreender como o personagem se junta à galeria de protagonistas masculinos dessa filmografia.


E para dar vida a esse homem e suas contradições, Mann adota uma abordagem que (graças a Deus) foge à cartilha e os lugares-comuns que superabundam nas cinebiografias contemporâneas. No lugar de filmar um roteiro que tenta condensar em pouco mais de duas horas um artigo da Wikipédia sobre Enzo e não se aprofunda em nada sobre ele, o filme segue um momento específico da sua vida – o ano de 1957 – para nos dizer tudo que se precisa saber a seu respeito: o poder que ele emana sobre outras pessoas ao seu redor; o quão diminuto se vê diante da enlutada e amargurada esposa Laura (Penélope Cruz); o luto que também sofre pela perda do filho, um ano antes; quão relaxado se vê quando está com a sua “outra” família (Shailene Woodley e Giuseppe Festinese); as lutas que enfrenta para conciliar a vida profissional e pessoal; e tanto mais.

Foto: Divulgação


Assim, ao optar por um recorte que nos dá o devido aprofundamento neste personagem e o que o cerca, Mann evita a verborragia didática e os saltos temporais mal-formulados que tanto têm acometido o gênero conforme ele é produzido à exaustão em Hollywood. Mas o diretor vai além: em Ferrari ele incorpora até mesmo elementos do melodrama, seja na composição da personagem de Cruz (que, como em outra crítica que vi, conduz um retrato próximo das matronas italianas de clássicos do país), na trilha sonora operática de Daniel Pemberton, nos sotaques “macarrônicos” dos personagens e até mesmo nas surpreendentes inserções de humor. Diante dessas escolhas pouco usuais (embora nada surpreendentes para quem acompanhe sua filmografia), é fácil entender porque o filme passou despercebido na temporada de premiações.


O que é uma pena, visto que o filme entrega alguns dos melhores trabalhos do ano passado em departamentos técnicos como o som. Claro, é algo esperado sendo um filme que envolva carros e corridas, mas a maneira como Mann constrói uma imersão sonora (e também visual, junto ao diretor de fotografia Erik Messerschmidt) nos coloca diretamente junto a Ferrari e os homens que dirigem para ele, como Alfonso De Portago (Gabriel Leone, tendo um ótimo tempo de tela), Peter Collins (Jack O’Connell) e Piero Taruffi (Patrick Dempsey). São homens movidos pelas pulsões de vida e morte, e o filme não se faz de rogado em mostrar o quanto a morte os cerca – não apenas no luto de Enzo e Laura, mas também em trágicas sequências de acidentes, sendo que aquela que ocorre no clímax é tão brutal e chocante que toda a sala de cinema onde assisti o filme se viu imersa num silêncio sepulcral.


Ainda que não chegue a administrar tão equilibradamente os lados pessoal e profissional do seu protagonista (e o CGI pode ter uma razão em incomodar, embora sirva muito bem aos propósitos do filme), Ferrari se ajusta perfeitamente ao que Michael Mann vem trabalhando em sua carreira desde os anos 1980, temática ou formalmente. Não importa se seus personagens são homens do mundo do crime, policiais ou poderosos empresários do ramo automobilístico, os homens “Mannescos” são retratos impressionantemente acurados dos efeitos nocivos e complexos da masculinidade tóxica, muitas vezes quebrados por dentro enquanto impõem a aparência do poder e controle. Portanto, é mais um acerto de um diretor que considero um dos meus favoritos.


Nota: 4/5

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