Longa brasileiro traz importante história dentro de um Brasil conservador e violento com a prática do aborto
Foto: Divulgação
Entre 2012 e 2022, 483 mulheres morreram por aborto em hospitais da rede pública de saúde do Brasil, a informação foi analisada pela ‘Gênero e Número’ que verificou cerca de 1,7 milhão de internações registradas no Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) como gravidez que termina em aborto. Além disso, o nosso país está entre os países com mais restrições para aborto, sendo salvo em casos de estupro ou má formação congênita do feto.
Utilizando-se dessa temática como fio condutor, o longa brasileiro Levante chega aos cinemas em 22 de fevereiro e conta a história de Sofia (Ayomi Domenica), uma jovem atleta de 17 anos que descobre estar grávida às vésperas de um campeonato de vôlei decisivo para sua carreira como esportista. Neste cenário, Sofia só tem uma certeza: ela não pode virar mãe em sua atual realidade. Ao tentar interrompê-la de maneira clandestina - uma vez que o aborto é criminalizado no Brasil -, a adolescente se torna alvo de um grupo conservador decidido a detê-la a qualquer preço.
Dirigido por Lillah Halla, antes mesmo da sua estreia oficial no Brasil, Levante marcou presença em diversos festivais nacionais e internacionais e já acumulou 20 prêmios, incluindo Melhor Filme pela crítica Fipresci em Cannes, Melhor Filme Ibero-americano em Palm Springs, Melhor Filme em Biarritz, em Montreal (Fierté), no Mix Brasil e no FestCine Aruanda, além de Melhor Direção e Edição no Festival do Rio.
Filmes e séries que falam sobre o aborto não são novidade no mundo cinematográfico, especialmente em Hollywood, onde recentemente vimos o longa Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre ganhar destaque no cenário independente e até a popular série Grey’s Anatomy tratar do assunto após novas restrições serem impostas nos Estados Unidos. Mesmo com esses bons exemplos, a realidade brasileira ainda é soa um pouco distante da vivida pelos estadunidenses e Levante é muito certeiro em demonstrar a realidade brasileira de uma forma honesta, verossímil e não romantizada.
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É curioso que quando pensamos em gravidez na adolescência, imaginamos que o ponto principal da sua história será a rejeição e a falta de apoio familiar, mas, Levante subverte essa concepção e coloca como conflito principal a perseguição que Sofia acaba sofrendo por buscar o aborto como alternativa. E essas decisões do roteiro fazem muito sentido dentro deste Brasil que vivemos. Alguns anos atrás, em 2020, por exemplo, parlamentares evangélicos atacam clínica para impedir aborto legal e expuseram uma criança de 10 anos. Imaginem o que não fariam com uma jovem de 17 anos que decide abortar por vontade própria?
Por conta, justamente, dessa decisão narrativa é que podemos entender as relações familiares, amorosas e as amizades que Sofia nutre com quem está ao seu redor. O relacionamento da jovem com o pai (Rômulo Braga) é uma das coisas mais bonitas do filme, assim como o desabrochar do seu relacionamento com Bel (Loro Bardot) e também a cumplicidade de Sofia com a sua técnica Sol (Grace Passô).
Com um elenco muito talentoso e inclusivo, Levante dá espaço para a diversidade, para a pluralidade de corpos e protagonismo transexual, não-binário e preto nas telas para além da violência que permeia constantemente as minorias neste país. A linha de amor e companheirismo que liga quem integra o time de vôlei comandado por Sol mostra para o telespectador a beleza de receber apoio incondicional em um momento tão difícil e complicado na vida. Não há espaço para julgamentos, existe apenas o companheirismo entre um grupo muito unido.
Tecnicamente, o trabalho de Levante também é muito primoroso desde a escolha das músicas que compõem a trilha sonora, ao uso das cores indo até ao figurino e a direção de arte. O longa é muito bem dirigido e merecidamente vem colecionando prêmios por onde passa. Por isso, espero que muita gente tenha o prazer de conferir o filme nos cinemas a partir do dia 22 de fevereiro, não só para prestigiar uma obra brasileira, mas, para refletir sobre uma história necessária em um Brasil tão conservador.
Nota: 4,5/5
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