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Foto do escritorAianne Amado

Crítica | Medusa Deluxe

Uma revigorante uma dose de originalidade e ineditismo em pleno 2023.

Foto: Divulgação

Eu vou muito ao cinema. Talvez até demais, se você for olhar minha fatura do cartão e considerar o preço do ingresso + pipoca. Atualmente, pelo menos uma vez por semana sento naquela cadeira minimamente reclinável e, como diria a icônica Lisbela, “o mundo lá fora vai se apagando, devagarinho…”. E tem sido assim por anos. Se tornou um hábito, assim como tem aqueles que vão à igreja aos domingos ou assistem futebol às quartas. O problema é que quando alguma coisa vira habitual, cotidiana, por vezes esquecemos de refletir sobre elas. Vamos no automático, sem questionar muita coisa.


Essa semana, na quarta ida ao cinema do mês, assisti Medusa Deluxe e senti algo que há muito tempo não sentia enquanto ainda sentada na sessão. Me peguei desfrutando de um interesse diferente, que misturava empolgação e curiosidade. Não demorou muito até entender: pela primeira vez em sei lá quanto tempo eu não tinha a menor ideia de para onde aquele filme estava me levando.


Vejamos os outros filmes em cartaz nesta mesma semana: um remake de uma animação clássica, três filmes derivados de franquias de super-heróis, uma adaptação de videogame, quarta continuação de uma franquia sobre carros-robôs e décima de uma sobre carros que desafiam as leis da física. Não quero dizer aqui que esses filmes são ruins (apesar de quase todos serem), mas é inegável que o cinema – e aqui destaco aquilo que é exibido comercialmente em salas apropriadas e telas grandes – passa por uma crise de originalidade motivado pela preferência da indústria em priorizar apenas conteúdo derivado de propriedade intelectual anterior e que já tenha um público alvo garantido, ou seja, fãs. Poderia passar mais vinte parágrafos falando sobre isso, mas fica para outra hora. Voltemos ao ponto dessa crítica.


Diante de tanto “mais do mesmo”, Medusa Deluxe foi uma grata surpresa. Personagens inéditos para conhecer, novos backgrounds narrativos para aprender; cenários diferentes para explorar. Esses pontos são ainda favorecidos pelo fato do filme ser um suspense whodunnit, meio que uma clássica história de detetive, mas sem o detetive em si.


Em uma competição de penteados, um dos grandes hairstylists foi encontrado morto, com seu cabelo e couro cabeludo desaparecidos, e todos ali presentes – competidores, modelos, equipe – são suspeitos. Sem nunca saber ao certo em quem confiar, mergulhamos numa trama de fofocas, tentando colher peças para solucionar esse quebra cabeça. Desde a cena um, estamos presos na história.

Foto: Divulgação


Para contribuir com essa ideia de rede de intrigas, o filme mimetiza um longo plano sequência, no melhor estilo Birdman, com as cenas sendo alternadas na medida que um personagem troca de ambiente, com a câmera o acompanhando. Certamente desenvolver esse estilo demandou muito ensaio de todo elenco e equipe, mas acredito que cabe destacar especialmente os nomes de Robbie Ryan, diretor de fotografia, responsável também pelo visual igualmente desconfortável e divertido; Faoud Gaber, editor responsável pela montagem dinâmica e os cortes imperceptíveis; e Lili Lea Abraham, diretora de arte que, com a ajuda da decoradora de set Rachel Rolfe, criaram em uma única locação um labirinto que satisfizesse o interesse do roteiro ao mesmo tempo que nos situa no backstage da competição.


Outra grata surpresa foram os excelentes diálogos, banhados num ótimo tom cômico, suficiente para aliviar a tensão narrativa, mas sem pesar a mão a ponto de comprometer o envolvimento da audiência. Deixo meus devidos créditos ao roteirista e diretor estreante Thomas Hardiman, que, apesar de entregar um desfecho aquém do que a premissa e o início do filme merecem, desenvolveu como veterano uma obra visual e narrativamente inusitada.


Claro, o ineditismo (ainda) não morreu por completo na sétima arte e, mesmo no último ano, tivemos grandes destaques como Aftersun, Close e Os Banshees de Inisherin. Mas esses são filmes de linguagem e formato mais complexos, que exigem mais do público. O que estou falando aqui é de uma pipoca low-budget de qualidade, daquelas que hoje só vemos raras vezes, quase sempre diretamente para streaming.


Nota: 4/5


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