Filme traz história ficcional sobre os horrores do holocausto brasileiro
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Ainda considerada uma história escondida em um Brasil de passado aterrorizante, o que aconteceu no Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, durante mais de 40 anos é considerado o Holocausto Brasileiro por muitos historiadores. Foram mais de 60 mil mortos no hospital psiquiátrico que recebia não só pessoas com problemas mentais, mas também rejeitados pela sociedade como pessoas em situação de rua, LGBTQIAPN+, prostitutas e vítimas de violência sexual. A história da Colônia e dos seus pacientes já foi retratada em alguns documentários e séries e ganhou destaque após o livro-reportagem da autora Daniela Arbex, lançado em 2013.
E é inspirado nos fatos narrados neste livro que o longa Ninguém Sai Vivo Daqui, que estreia nos cinemas no dia 11, conta uma história ficcional que acontece dentro do Hospital Colônia. No filme, que se passa na década de 70, conhecemos Elisa (Fernanda Marques), uma jovem enviada no “trem louco” (sim, essa expressão mineira é por esse motivo) para Barbacena após seu pai descobrir uma gravidez antes do casamento. Ninguém Sai Vivo Daqui é uma versão condensada e com algumas cenas inéditas da série Colônia, lançada pela TV Brasil em 2021.
Quando chega no Hospital, Elisa precisa lidar não só com a violência institucional praticada na Colônia, mas também com abusos e violências de alguns funcionários. É um cenário devastador, humilhante e extremamente degradante com qualquer ser humano. Mas, mesmo nesse ambiente Elisa faz amizades e encontra neles a força para seguir lutando pela sua sobrevivência.
Ninguém Sai Vivo Daqui consegue ambientar bem o espectador no Hospital Colônia e nos faz sentir uma angústia absurda enquanto assistimos, especialmente sabendo que aquilo aconteceu de fato com muitos brasileiros. E um dos maiores destaques para essa imersão tão profunda é por conta do espetacular elenco que o filme traz. Além de Fernanda Marques, que está excelente como a protagonista, temos também no núcleo principal Rejane Faria e Augusto Madeira e as participações especiais de Andreia Horta e Samuel de Assis.
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Rejane e Augusto, na minha opinião, são o ponto alto do filme. Rejane interpreta uma mulher que vive na Colônia há mais de 30 anos e que nunca conheceu o filho que ali nasceu e foi colocado para adoção. Seu arco traz redenção e também um pouco de alegria e alívio no meio de tantas situações tenebrosas ali vividas e sua atuação muito sincera e verdadeira traz isso para as telas com muita leveza e emoção. Já Augusto interpreta um dos antagonistas da trama, um dos funcionários que abusa Elisa e outras pacientes com frequência. Sua atuação é muito visceral e causa raiva e um choque (especialmente para quem recentemente o assistiu em Encantado’s como o engraçadíssimo Leozinho).
Todo esse conjunto muito bom no elenco não evita alguns problemas no roteiro e na montagem. Dirigido por André Ristum, a impressão é que o filme corre em alguns momentos e desenvolve pouco algumas relações e tramas, acredito que justamente por ter sido condensado de um material maior vindo da série, houve algumas perdas narrativas que podem atrapalhar o entendimento de alguns pormenores da sua trama como um todo. De fato, Ninguém Sai Vivo Daqui parece uma boa apresentação para série, que deve, sem dúvidas, desenvolver melhor todas as suas tramas e subtramas.
A decisão de manter o filme em tons preto e branco foi algo que me agradou, assim como a forte trilha sonora, que é meio inconstante em alguns momentos. Apesar de tratar de um tema forte e de possuir cenas que seguem essa violência, o filme não exagera no que mostra, diminuindo uma possível espetacularização de um tema tão delicado. Indo para as decisões narrativas do roteiro, devo admitir que a guinada final do terceiro ato para mais um thriller do que o drama do seu início me incomodou um pouco, mas nada também que decaia a qualidade do produto final que foi apresentado.
De forma geral, Ninguém Sai Vivo Daqui é um filme (e também série) necessário para relembrarmos e não esquecermos que o Brasil foi palco de um extermínio em massa. Mesmo com traços ficcionais, o filme levanta o tema de um forma muito fiel ao que foi relatado no livro de Daniela Arbex, fazendo jus ao seu material de origem. Com uma segunda temporada confirmada para um final que realmente deixa caminhos abertos, torço para que mais pessoas, a partir do filme, também possam acompanhar a série, conhecendo assim esse capítulo bárbaro da história do Brasil.
Nota: 3,5/5
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