Sátira afiadíssima de Hollywood é uma das melhores estreias do ano e só poderia ser feita por quem conhece a fundo esta indústria.

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Eu amo cinema, amo televisão e amo mais ainda saber como tudo é feito. Os bastidores, o que era para ser e não foi, toda a burocracia para fazer algo realmente sair do papel e por aí vai. Então, minha impressão é que esta nova série do Apple TV+ foi feita sob medida para mim. Quase – ênfase no quase – passa do ponto, mas o resultado é muito mais que positivo. Seth Rogen estrela como Matt Remick, um executivo que acaba de realizar um sonho: ele foi promovido a diretor da Continental Studios. Buscando desesperadamente a aprovação das celebridades, ele e sua equipe precisam equilibrar as exigências corporativas com suas ambições criativas enquanto tentam manter o cinema vivo e relevante. Esta é a premissa básica da série, mas é com profundidade que ela consegue abordar os diversos dilemas citados, com muito humor, ousadia e sem perder jamais a chance de ser crítica, no estilo mais “eu perco o amigo, mas não perco a piada” que se possa imaginar.
É um desfile de personalidades mega conhecidas, como não poderia deixar de ser, que só comprova o alto nível da produção. No primeiro episódio temos ninguém mais ninguém menos do que o próprio Martin Scorsese em uma versão exagerada de si mesmo e ele está genial. É uma das coisas que eu mais gosto na série, porque ela brinca com conceitos conhecidos destas figuras públicas e é este pé na realidade que deixa tudo ainda melhor. Quem não consegue ver Scorsese dirigindo um filme sobre Jonestown? É isto que faz O Estúdio ser tão brilhante e dita o tom para o que veremos episódio a episódio com inúmeras e fantásticas participações especiais fazendo coisas mirabolantes. Não importa quão absurda seja a trama, ela faz pelo menos um mínimo de sentido. No entanto, assim como em tantas outras séries sobre a indústria cinematográfica, quanto mais você souber sobre o assunto, melhor vai ser a experiência e mais fácil entender as piadas com as várias referências que pipocam na tela a todo instante.

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O segundo episódio tem a participação de Greta Lee e Sarah Polley, na tentativa de gravar um famigerado plano-sequência para o filme, mas tudo dá errado com a presença de Matt no set de filmagem, o que me irritou propositalmente. O nível de estresse vai escalonando e a câmera frenética parece conectada diretamente aos personagens, já que todos estão ligados a 220W. É um casamento perfeitamente imperfeito e eu só vou entrar em detalhes destes dois episódios que já foram liberados, pois os outros seguem sob embargo. Por eles, a série é muito bem apresentada e a gente consegue ter uma boa noção de como vão ser abordadas não somente as estrelas que participarão, mas tudo que envolve os bastidores da produção de um filme. O que aliás, é um dos fios condutores da temporada, já que uma das condições para que Matt assumisse o estúdio, era que ele produzisse um filme sobre o Kool-Aid. Sim, é isso mesmo que você leu.
O show de famosos interpretando a si mesmos não para, mas o elenco fixo é espetacular, devo dizer. Vou confessar que não sou o maior fã de Seth Rogen, mas ele manda muito bem como o protagonista e vai além como diretor e roteirista. Seu Matt é um homem inseguro, que mesmo com todo o poder que tem em mãos, necessita de aprovação constante devido ao seu ego frágil, o que acaba minando suas relações, profissionais e pessoais. Rogen tira de letra o papel, mas no quesito atuação, ainda não é o maior destaque. Catherine O’Hara e Kathryn Hahn estão irretocavelmente hilárias como Patty e Maya, respectivamente. Patty era a diretora do estúdio e foi demitida para que Matt assumisse o cargo e O’Hara brilha como esta mulher ressentida, mas que conhece como ninguém o trabalho e ajuda no que for necessário, desde que tenha alguma vantagem. A Maya de Hahn é a chefe de marketing do estúdio e ela assume uma persona de uma perua cheia de excessos e com uma atuação que nunca cai neles e é fascinante o controle que ela possui. Completando o elenco, temos Ike Barinholtz como o executivo canalha Sal Saperstein, que apesar de ser o mais próximo que temos de não ir além do clichê, tem talento e carisma para se sobressair. Chase Sui Wonders é Quinn, uma jovem que acaba de ser promovida a executiva e a atriz manda bem, tem um timing cômico acertado e acompanha bem os veteranos mais experientes. Gosto da moça desde a cancelada Generation (Max) e ela realmente precisava de algo que exigisse mais dela. Em meio ao caos, o roteiro consegue desenvolver com competência estas personalidades marcantes.
Criada pelo próprio Rogen, Evan Goldberg, Peter Huyck, Alex Gregory e Frida Perez, a série só poderia sair de cabeças que possuem um vasto conhecimento da indústria para deitar e rolar com as piadas sobre ela. É uma carta de amor ao cinema e ao audiovisual, mas sem deixar de mostrar o seu lado mais sombrio. Tudo é descomedido aqui e não é à toa. É uma sátira e usa do exagero a todo instante, usando os clichês a seu favor. É uma comédia que não tem vergonha de ser comédia e quer te fazer rir sem culpa, mesmo que às vezes quase passe do ponto e perca o tom da piada, como tombos repetitivos que nem sempre funcionam. Mas acreditem, isso é o de menos, porque este retrato íntimo de Hollywood veio para ficar, dosando futilidades com assuntos mais sérios, piadas bobas com outras mais refinadas. Dos dez episódios nesta temporada de estreia, não há um ruim. Claro, alguns melhores que outros, e uma sequência de três seguidos que são absurdamente brilhantes – não direi quais – porém, nenhum que se aproxime pelo menos do mediano. Não é fácil fazer arte ou até conceitualizar o que quer que arte seja. Uma certeza é que ela é subjetiva e outra é que O Estúdio consegue fazê-la e se tornar uma das melhores estreias do ano, ao mesmo tempo que é uma das mais engraçadas em um bom tempo.
Nota: 4,5/5
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