top of page
Background.png
capa-cabeçalho-site.png
  • Foto do escritorFilipe Chaves

Crítica | O Jogo que Mudou a História (1ª temporada)

A brutalidade da desumanidade mais humana possível de uma das melhores séries do ano

Foto: Divulgação/ Globoplay


Já no primeiro episódio, o capricho da produção é notório, bem como a violência que a guia. Uma série inspirada por fatos, que retrata o surgimento das facções de narcotráfico no Rio de Janeiro nos anos 70, não poderia ser diferente. A trama começa com a chegada de Egídio (Ravel Andrade) e Jesus (Raphael Logam) ao Presídio de Ilha Grande. O primeiro como prisioneiro e o segundo como carcereiro. Lados opostos que são nossos olhos iniciantes para conhecer como funciona aquele sistema e quem é quem naquele ambiente. Eles não fazem ideia do que os aguardam e muito menos nós telespectadores. Além do núcleo da prisão, que é dividido em dois grupos rivais: “Jacaré” e a “Turma do Fundão”, este último composto por assaltantes de banco e presos políticos da ditadura, o conflito entre eles reverbera também para fora de Ilha de Grande, nas fictícias comunidades de Padre Nosso e Parada Geral, rivais também no futebol.


Isso é apenas uma sinopse básica para tanta coisa que ainda acontece no desenrolar da série criada por José Júnior e escrita por ele em colaboração com Gabriel Maria, Clara Meirelles, Bruno Passeri, Manaíra Carneiro e Bruno Paes Manso. O texto é muito bem escrito, é construído com naturalidade e os principais eventos ganham um impacto maior com esse cuidado narrativo necessário em qualquer formato audiovisual, principalmente no seriado. Matias Mariani e Claudio Borrelli dirigem, com direção geral de Heitor Dhalia. Eles estão em harmonia com os roteiristas e não economizam em mostrar a violência naquele meio. É o cotidiano ali, e maquiar ou diminuir não ia combinar com a história que está sendo contada. Não dá para minimizar o impacto sem chocar visualmente o telespectador. É uma série que não se direciona apenas por grandes acontecimentos, mas desenvolve bem seus personagens para que tenhamos empatia por quem acompanhamos. É um dos pontos positivos de não trazer nomes reais para a série, porque são apenas personagens ali e não há comparações com a vida real por mais que haja inspiração.

Foto: Divulgação/ Globoplay


Não é novidade em séries de tv existir a empatia por criminosos. Desde Oz, série norte-americana da HBO que estreou em 1997 também focada no sistema prisional, que acompanhamos aquelas pessoas ambíguas, complexas, que ficam em áreas cinzas, e extremamente humanas, o que ganhou ainda mais substância com a estreia de Família Soprano, no mesmo canal, em 1999. Assim como as citadas, O Jogo que Mudou a História não oferece saídas fáceis e muito menos maniqueístas e jamais aqueles homens podem ser colocados em caixinhas de mocinhos e vilões. É muito básico e não é a proposta de uma produção como esta. São muitos personagens, mas alguns merecem destaque, como Chico da Cavanha, um assaltante de banco, feito como tanta humanidade por Rômulo Braga, que deixa impossível não torcer por ele. Gilsinho, do poço de carisma e talento chamado Jonathan Azevedo, que consegue transitar com facilidade entre a crueldade e o humor. Mestre, interpretado por Mukassa Kabengele, um pai de família que parece sempre ser atraído para aquele mundo, não importa o quanto tente fugir dele. Amarildo, o líder da Associação de Moradores de Padre Nosso e que tenta resolver as coisas sempre pacificamente, feito com uma naturalidade absurda por Pedro Wagner. Já Belmiro, seu irmão, não é tão pacífico assim e esse contraste entre eles é um dos destaques aqui, também graças a performance sutil, mas intensa de Jailson Silva. Os supracitados Raphael Logam e Ravel Andrade também têm seus momentos de brilhar – alguns bem emocionantes, principalmente de Andrade –, mas vão perdendo um pouco de espaço no decorrer da temporada. No ponto de vista feminino, o principal é o de Irmã Emily, uma freira dos Estados Unidos que está na cadeia para se certificar que os direitos humanos estejam sendo respeitados. Spoiler: não estão, mas sua trama consegue ir além. As outras mulheres presentes não aparecem tanto, e são mais coadjuvantes, como esposas, mães, amigas etc. e não há tanta nuance como poderia, mesmo que exista cenas que ressaltem o talento das atrizes.


Em um elenco tão grande é difícil que todos os personagens sejam bem desenvolvidos e é normal colocar um foco maior somente em alguns, mas a série também escolhe isso, assim como algumas subtramas que são pouco aprofundadas. Por exemplo, um dos presos políticos é interpretado por Otávio Muller, um dos nomes mais conhecidos ali, porém, a trama da ditadura em si contextualiza muito mais a época em que o enredo se passa e dá motivação para que alguns personagens ajam no começo, mas no mais é pouco explorada. Tudo bem, porque há um estudo mais rico em outros aspectos e as qualidades se sobressaem muito mais do que os pequenos defeitos. São dez episódios nesta 1ª temporada – espero que não seja a única – e há uma visceralidade crua neles que te transposta para dentro da tela, mas não soa gratuita. Os episódios 8 e 9 são dos melhores que vi este ano, atingindo o clímax em dois dos arcos mais importantes. É uma série que mesmo mostrando pessoas capazes das maiores brutalidades, elas também são capazes de amar, de serem humanas de fato, porque foi assim que foram criadas e mesmo que tentem escapar, às vezes simplesmente não tem escapatória, seja da prisão ou daquela vida. O Jogo que Mudou a História sabe ir direto ao ponto, mas ainda deixa brecha para mais. Espero que haja.


Nota: 4,5/5

0 comentário

Comments


bottom of page