Entre o brilhantismo e algumas imperfeições, a série segue fazendo jus à sua reputação
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O Urso é uma série que vive e morre em seus personagens. A terceira temporada – já tão controversa, tão divisiva, tão menos amada que suas antecessoras – é a expressão máxima disso, já que em termos narrativos há pouco avanço, ainda mais considerando que ela e a próxima temporada foram concebidas como metades de um todo. Mas talvez seja aqui que a série expresse mais o quanto quer que olhemos para esses personagens, seus mundos internos, seja através do caos ou da (crescente) calmaria que inunda vários de seus episódios.
Fomos deixados no final do segundo ano com a noite de abertura do restaurante que dá nome à série, um Carmy (Jeremy Allen White) preso literal e metaforicamente e afastando todos que ama – em especial Richie (Ebon Moss-Bacharach) e Claire (Molly Gordon) – enquanto Sydney (Ayo Edebiri) sucumbindo à ansiedade depois de fazer tudo para que a noite não fosse um completo desastre. No episódio de abertura da nova temporada, intitulado Amanhã, não vemos necessariamente o amanhã, mas sim o passado de Carmy, as pessoas que moldaram sua vida (em especial seu ex-chefe abusivo interpretado por Joel McHale) e o que isso diz do homem que ele é hoje.
O episódio em si, marcado por uma não-linearidade e uma atmosfera até então única na série, serve como uma ponte entre os eventos da temporada passada e os dessa. É um começo ousado para uma temporada ousada, e o estranhamento é bem-vindo para nos dar a dimensão da psique fraturada do nosso protagonista, que por diversas vezes vai reproduzir com seus colegas e funcionários as mesmas tendências abusivas que o personagem de McHale exerceu contra ele, mesmo que seu passado também seja marcado por figuras tão maravilhosas como a chefe Terry (Olivia Colman, que retorna para mais algumas participações especiais). Jeremy Allen White tem a difícil tarefa de interpretar seu personagem na fase mais detestável possível – me remetendo a figuras como Don Draper no ponto mais baixo da vida lá em Mad Men – e não é exagero enxergá-lo como o antagonista da temporada. Mas é claro que nem tudo é preto no branco; sua cena confrontando um personagem no último episódio é uma verdadeira aula de atuação, que (espero eu) deve servir de ponto de virada para Carmy.
Mas se ele é um buraco negro sugando todos ao seu redor, felizmente temos figuras como Sydney e Richie, com seus desenvolvimentos tão coesos e brilhantes. É uma delícia ver a camaradagem entre os dois, especialmente quando lembramos da hilária cena dela o esfaqueando lá na primeira temporada; assim como a proteção de Richie a Fak (Matty Matheson) ou a camaradagem de Syd com Marcus (Lionel Boyce, aparecendo menos do que deveria, mas sempre trazendo uma bem-vinda leveza com seu personagem) e sobretudo com Tina (Lisa Colón-Zayas). Não posso falar desta sem citar o belíssimo episódio 06 - Guardanapos, que nos conta como a personagem foi trabalhar no então The Beef e conheceu Michael (Jon Bernthal). Toda a sequência de mais de 10 minutos dos dois personagens apenas conversando, perante a câmera mais do que segura de Ayo Edebiri em sua estreia na direção, é um dos muitos pontos altos da temporada e da série, que indica a confiança que esta tem em seus personagens para conduzir a narrativa.
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Mas serei um pouco do contra aqui para dizer que, ao contrário da maioria, não tenho Guardanapos como meu episódio favorito da temporada. Esse posto vai para o 08 - Lascas de Gelo, onde o destaque é dado a Natalie “Sugar” (Abby Elliott, o grande destaque da temporada na minha opinião) e sua complicada mãe Donna (Jamie Lee Curtis). Um episódio quase inteiramente focado nas duas, em close-ups que transparecem anos de mágoas e arrependimentos, mas também de amor, indicando a possibilidade de reconciliação e de redenção que cada vez mais se torna um mote na série. São dois episódios unidos por esses destaques individuais a essas personagens, e que revelam o melhor que O Urso tem a oferecer.
Infelizmente, a temporada tem seus percalços que a impedem de atingir o mesmo nível das antecessoras, em especial da segunda. Embora eu adore Fak e algumas das cenas envolvendo ele e seu irmão Teddy (Ricky Staffieri), o excesso de cenas de apelo cômico dos dois no decorrer dos episódios acaba mais servindo como um desvio, que tampouco se encaixa no desenvolvimento sutil dos personagens num geral, mas numa tentativa da série de mostrar que, apesar de todas as evidências do contrário, ela é sim uma comédia, para justificar suas indicações ao Emmy.
Mas talvez o grande problema aqui – e temo que tenha se tornado o grande problema da série como um todo – é o tratamento dado à Claire. Na temporada passada eu defendi a presença da personagem, que já era acusada por muitos como uma manic pixie dream girl, entendendo que o propósito narrativo dela era muito claro e bem-aplicado. Dessa vez, porém, a justificativa para seu espaço na história é muito menos clara, se entregando de fato a esse tropo da manic pixie, ou seja, uma mulher que existe unicamente para o desenvolvimento do protagonismo masculino. O mais estranho é ver logo O Urso – uma série que tem no retrato da saúde mental um dos seus pontos mais fortes – apelar para tal tropo, como se Claire fosse ser a tábua de salvação de Carmy (sendo que ele precisa de umas três sessões de terapia por semana para lidar com seus traumas, e não de uma mulher para salvá-lo de si mesmo).
Além do mais, esse é um dos vários pontos que ficam em aberto ao final da temporada, já que, como disse, ela foi concebida como uma espécie de “meia-temporada”, o que explica seu ritmo mais vagaroso em relação às anteriores. Assim, há muitas coisas aqui que só poderão ser melhor julgadas após o lançamento da quarta temporada, mas é meu entendimento de que a temporada também deve ser olhada por si mesma. Nesse sentido, parece até meio irônico que Carmy seja o único a receber uma espécie de conclusão aqui no que se refere aos seus dilemas internos, já que todos os demais ficam em suspenso diante do que está por vir.
Mas apesar dessa sensação de incompletude, ainda enxergo que O Urso se mantém extraordinariamente sólida em seu terceiro ano. Entendo os que desgostaram dos rumos tomados aqui ou consideraram a temporada mais fraca até o momento, mas aprecio e valorizo séries que não se acomodam com o lugar-comum, reinventando-se e tomando novos rumos mesmo que estes alienem seu público. Teria sido fácil para a série permanecer no caos e histrionismo da primeira temporada (e de fato o segundo e terceiro episódios nos relembram de como assisti-la pode ser uma experiência emocionalmente desgastante), mas é muito mais importante aqui ver esses personagens crescerem, mudarem, errarem, enfim, serem humanos. E mesmo com algumas imperfeições pelo caminho, esta nova temporada atende com maestria a essa proposta.
Nota: 4,5/5
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