Uma série que entende seus personagens e amadurece junto com eles
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Poucas séries foram tão abençoadas com o poder do boca-a-boca positivo como O Urso. A primeira temporada, lançada em junho do ano passado (período pouco fértil para a TV por vir logo após o fim da janela de elegibilidade do Emmy), foi um fenômeno avassalador, conquistando a crítica e o público ao nos levar ao cotidiano caótico do restaurante The Beef, em Chicago.
Porém, mais do que nos induzir à ansiedade por diversas vezes devido à rotina caótica e desgastante de trabalho do local, o grande mérito da temporada foi explorar o caos particular e visceral dos seus personagens, em especial o protagonista Carmy (Jeremy Allen White), após a morte de seu irmão Michael (Jon Bernthal), dono anterior do restaurante. Mas mesmo em meio aos conflitos internos de cada um, havia a promessa de evolução e amadurecimento para eles, e é sobre essa base que a segunda temporada da série se assenta, melhorando praticamente tudo que foi entregue no primeiro ano e ainda ousando se reinventar.
Não que o caos tão marcante da primeira temporada não esteja presente, mas aqui temos mais um “respiro” no ritmo da série, entregando momentos de calmaria, silêncio e placidez conforme a equipe lida com a reforma do The Beef para transformá-lo num novo restaurante, chamado O Urso. Prova disso é a própria sequência silenciosa de abertura, envolvendo Marcus (Lionel Boyce) e sua mãe, que serve de extremo oposto à abertura infernal da temporada anterior.
O próprio Marcus é um símbolo da proposta da temporada. Junto com outros personagens como Sydney (Ayo Edebiri), Tina (Lisa Colón-Zayas) e Richie (Ebon Moss-Bacharach), ele ganha seu destaque no maravilhoso quarto episódio, onde viaja a Copenhague para aprimorar suas habilidades como padeiro e confeiteiro e firma um laço com o chef Luca (Will Poulter, a primeira de muitas aparições especiais da temporada). A cena em que ambos conversam sobre suas vidas e Luca fala da importância de não se pressionar e viver o mundo fora do trabalho não é apenas um dos pontos altos da série, como também usa o silêncio e a falta de trilha sonora de tal maneira que cria um contraste chocante com o frenesi, gritaria e tensão de tantas outras cenas que já tínhamos visto.
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Da mesma forma, Richie recebe talvez o melhor arco da temporada, num crescimento belíssimo – e, mais importante, orgânico – coroado pelo fantástico sétimo episódio, que o torna talvez o melhor personagem da série no momento. Quem poderia imaginar que o homem insuportável e sem propósito da temporada passada culminaria na figura que vemos cantando Taylor Swift a plenos pulmões, que é elogiado por ninguém menos que Olivia Colman (em outra das aparições especiais da temporada) e por quem vibramos e torcemos? Mas trata-se de um mérito da escrita certeira de O Urso, a qual ganha vida através da direção pulsante e sensível da série e do seu elenco irretocável. Cada um desses aspectos interligados nos permite abraçar a humanidade desses personagens; os entendemos e os amamos porque a série faz o mesmo por eles e reconhece as possibilidades de suas trajetórias.
“Propósito”, aliás, parece ser a palavra que guia a temporada, pois é o motivador das mais diversas jornadas que acompanhamos. Temos Sydney em seu crescimento pessoal e profissional; Tina assumindo o lugar antes ocupado por Syd no restaurante (a cena em que a personagem recebe essa oferta me fez chorar nas duas vezes que assisti); Natalie (Abby Elliott), ganhando um merecido maior espaço nesse segundo ano; e tantos outros, até aqueles mais ausentes, como Ebrahim (Edwin Lee Gibson).
E é por isso que, ao não conferir o mesmo senso de propósito ao protagonista Carmy, a temporada consegue ser em alguns momentos ainda mais brutal do que a primeira. Essa não é uma crítica a uma falta de desenvolvimento do personagem, muito pelo contrário; há uma escolha intencional em fazê-lo (in)conscientemente se autossabotar em relação às responsabilidades com a obra e seus colegas, especialmente através do seu relacionamento com Claire (Molly Gordon). Entendo quem não tenha gostado desse relacionamento – eu mesmo vi a personagem muito como uma manic pixie dream girl na minha primeira assistida –, mas ao rever a temporada me peguei embasbacado em como diversas questões são antecipadas e prenunciadas, especialmente no que se refere à Carmy e à sua falta de foco, num movimento circular nada menos que perfeito. O último episódio é uma montanha-russa tão intensa e visceral que me deixou completamente atordoado e sem reação, especialmente pelos melancólicos 10 minutos finais, que ilustram perfeitamente como vimos nosso protagonista promover o crescimento de todos, exceto de si próprio.
E a chave para isso está no tão comentado sexto episódio, que se destacou graças ao seu conjunto espetacular de estrelas convidadas (Jamie Lee Curtis! Bob Odenkirk! Gillian Jacobs! John Mulaney! Satah Paulson!). Mas mais do que tantos atores e atrizes importantes convidados, o que mais me fascina nesse episódio é como cada um deles se integra naturalmente à história pregressa de O Urso, num acerto memorável de escrita e interpretações. Além do mais, o episódio (junto com a finale) parece reunir toda a ansiedade dispensada pelos outros, exibindo uma reunião tão caótica e brutal de família no Natal que facilmente entendemos os traumas e dores dos irmãos Berzatto, em especial Carmy, numa aula de contextualização que se ramifica pelos demais eventos da temporada.
Poderia falar de muito mais – da trilha sonora que continua excepcional, por exemplo –, mas creio que, não importa quantas vezes eu assista a segunda temporada de O Urso, sempre vai me saltar aos olhos o cuidado aqui demonstrado com seus personagens e seus arcos, que se mostram críveis e orgânicos, sejam em suas vitórias ou em suas derrotas. É uma aula de evolução tanto técnica quanto narrativa, e que nos deixa com um gosto agridoce, mas também de altíssimas expectativas pelo que está por vir na série. E não restam dúvidas: esses 10 episódios se constituem como uma das melhores coisas exibidas na TV neste ano.
Nota: 5/5
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