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Foto do escritorAianne Amado

Crítica | Perlimps

Um irresistível olhar para aquilo que fingimos não ver

Divulgação: Vitrine Filmes


Quando crianças – antes das aulas de física, química e biologia; antes dos documentários sobre como o mundo era ou será; antes de entendermos que é o egoísmo humano que move as sociedades – tudo é magia. Tudo é novo, grande, bonito, interessante, misterioso, extraordinário. Tudo é possível. Algo se perde quando passamos a perceber causalidades e explicações para as coisas, e acredito que todos os adultos, alguns mais, outros menos, vivem em busca dessa magia perdida. É por isso que gostamos tanto do sentimento agridoce da nostalgia, por exemplo. Entrar em contato com objetos da nossa infância nos desperta essas memórias um pouco mais vividamente. Ouvi dizer que ter e criar filhos também, ainda que em segunda mão.


Estou aqui para dizer que Perlimps, novo longa de animação de Alê Abreu, faz o mesmo.


Lembro que quando era criança eu adorava ir para os parques de diversão e apenas andar. Amava me perder naquelas cores e contornos sempre tão maiores e mais imponentes que tudo que eu estava acostumada. Foi essa mesma sensação que tive quando me perdi na floresta em que se passa o filme. O cenário é marcado por paletas vibrantes e formas não exatamente definidas, criando brechas para que nossa imaginação faça sentido do que está vendo. Além disso, durante quase todo tempo esse cenário é ocupado apenas por duas criaturas meio humanas, meio animais e inteiramente crianças, Claé (Lorenzo Tarantelli) e Bruô (Giulia Benite), de modo que câmera nos coloca na perspectiva deles, fazendo com que tudo fique muito maior e majestoso diante da “nossa” baixa estatura.


É nessa construção de um universo abstratamente real e sistematicamente fantástico que a direção de arte se torna o ponto forte do filme – o que é ainda mais notável quando se fala de um filme que é recheado de pontos fortes. Piscar dá pena. Qualquer frame poderia ser emoldurado. E Alê Abreu sabe disso, e, assim, se utiliza sabiamente de recursos que só a animação permite para enfatizar ainda mais a beleza do que tem em mãos.

Divulgação: Vitrine Filmes


O som, de forma geral, funciona para dar um toque de realidade, nos ambientando na floresta que não exatamente vemos. Mas tem também seus momentos de destaque, dando som ao surreal e acrescentando, na trilha, o toque lúdico que arremata todo o contexto.


Ou seja, mesmo que fosse um daqueles filmes mais experimentais, a exemplo do célebre Fantasia de Walt Disney (1940), já valeria o ingresso. Mas não, além de encher os olhos e os ouvidos, Perlimps também aquece o peito. O longa conta a história de duas criaturas meio humanas, meio animais, e inteiramente crianças. Claé é do Reino do Sol, rival do Reino da Lua, de Bruô. Ambos se intitulam agentes secretos na missão de salvar a floresta dos temíveis Gigantes, o que, segundo o plano deles, só acontecerá quando chegarem aos seres mágicos que dão nome ao filme. Sabemos da iminência de uma “grande onda”, a ser liberada pelos Gigantes para destruir toda a natureza – isto é, toda aquela beleza que rapidamente aprendemos a adorar (a arte funciona também narrativamente) – e, para impedi-la, as se vêem obrigadas a trabalhar juntas, o que demanda que aceitem suas diferenças não só de origem, como de personalidade.


Os personagens não são devidamente apresentados. Nos deparamos com eles já em suas missões e é ao se conhecerem, ao longo de todo primeiro e segundo ato, que nós, do outro lado da telinha, vamos também os entendendo. Durante a missão encontram o João de Barro, em participação especialíssima de Stênio Garcia, que serve como uma espécie de mentor e nos oferece mais “pistas” sobre a história por trás da história que está sendo contada. E assim o público é convidado a montar esse lindo quebra-cabeça, que culmina em seu terceiro ato. Explicá-lo aqui seria um desserviço aos que pretendem assistir o filme, então deixo apenas a sugestão para que observem como, ao mudar o tom da história, muda também todo o caráter lúdico dos demais elementos.


Misturando mensagens de preservação ambiental e tolerância, Perlimps vem para provar muita coisa: que o cinema brasileiro existe e é da maior qualidade; que a animação é mais que uma reconstrução do possível e pode ser muito mais explorada que o padrão mainstream; que ainda é factível contar uma boa e completa narrativa em menos de 90 minutos; e que há um moleque morando sempre em nossos corações.


O longa, que certamente estará na briga por uma indicação às categorias de animação da temporada de premiação de 2024, estreia dia 9 de fevereiro nos cinemas. Recomendo fortemente que leve sua criança para assistir – mesmo que ela seja você.


Nota: 5/5

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