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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Pinóquio de Guillermo Del Toro

Um conto (não tão) infantil sobre a insurgência

Divulgação: Netflix


Há tantos filmes baseados em Pinóquio (o mais conhecido deles, obviamente, sendo o da Disney de 1940) que é até difícil de imaginar o que poderia ser trazido de novo em uma nova versão. Mas nunca se deve subestimar a capacidade imaginativa de Guillermo Del Toro e sua paixão pelo horror e pelo macabro, capazes de trazer frescor a uma história tão conhecida e replicada.


O diretor mexicano posiciona seu filme na Itália fascista do período entreguerras, abrindo com um delicado e melancólico prólogo que nos mostra a vida de Gepeto (David Bradley) com seu filho Carlo (Gregory Mann) antes da trágica morte deste durante a I Guerra Mundial. Anos depois, um amargurado e bêbado Gepeto, sob a vigilância do Grilo Falante (Ewan McGregor), decide criar um boneco de madeira (também Mann) que ganha vida sob as mãos da Fada Madrinha (Tilda Swinton) e se vê dividido entre o amor ao seu pai, o desejo de conhecer o mundo e a lealdade ao regime de Mussolini, cuja sombra paira sobre todos.


Ao situar o longa num período tão sombrio da história italiana, Del Toro subverte o tom original do livro - que muitas vezes foi usado como um conto de advertência moral às crianças obedientes - para transformar Pinóquio num símbolo de insurgência contra o fascismo. O diretor não se furta em ridicularizar o regime - trazendo até mesmo a figura de Mussolini para ser humilhada em determinada consequência -, e embora essa ambientação e inserção na história seja mais circunstancial do que prioritária à narrativa, não deixa de ser uma atualização bem-vinda aos temas do livro e que conversam com o cenário de extremismo político que vivenciamos atualmente. Essa abordagem mais diretamente política é um retorno bem-vindo após o tom mais comedido de obras como "A Forma da Água", levando em conta que o diretor não se fez de tímido em tratar temas difíceis como a Guerra Civil Espanhola em alguns dos seus longas iniciais, como "A Espinha do Diabo" e "O Labirinto do Fauno".


Ao mesmo tempo, Del Toro não perde de vista o cerne da história, que é a relação de profundo amor entre Gepeto e Pinóquio, ainda que os personagens falhem um com o outro. Embora os traços mais memoráveis do protagonista sejam preservados - sua propensão à mentira e a se meter em enrascadas -, é interessante ver como aqui a desobediência do personagem é trabalhada dentro da relação com Gepeto, que também precisa superar seus próprios conflitos (em especial o luto por Carlo) para ser um pai melhor para sua criação.


Todos esses temas são trabalhados dentro de uma eficiente mistura entre o lúgubre e fabuloso que se tornou a marca do diretor. Não deixa de ser um filme para crianças, mas em muitos momentos insere um teor mais sombrio e adulto que surpreende - mas nunca se dissocia do lado mais infantil. O trabalho de stop-motion é um primor técnico, assim como o elenco de vozes reunidas, onde se destacam McGregor (que faz também o trabalho de narrador), Bradley, Mann (no papel duplo de Carlo e Pinóquio) e Swinton (também em um papel duplo, como a Fada Madrinha e a Morte).


"Pinocchio" não leva o nome de seu diretor à toa, já que carrega consigo alguns dos pontos mais fortes da trajetória e do estilo de Del Toro. Apelando tanto para crianças quanto para adultos com suas temáticas que até chegam a assustar, mas sem nunca perder um verniz humorístico e leve, o filme promove uma releitura do tom moralista da história original para apresentar a insurgência como o único caminho possível para se lidar com o autoritarismo e o fascismo. Tudo isso é amparado na magia do stop-motion, que ajuda a distinguir o filme dentre as várias versões de Pinóquio e se firmar como uma das melhores animações do ano.


Nota: 4.5/5

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