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  • Foto do escritorHosanna Almeida

Crítica | Raquel 1:1

Um longa repleto de alegorias onde o delírio febril parece ser o sintoma de uma transformação

Foto: Divulgação


É difícil dizer o que consegui pensar após assistir ao filme. Necessito tempo de fermentação, por assim dizer, e se possível, entrar em contato com o objeto mais de uma vez. E depois outra vez. E outra. É certo sim, claro, que algumas obras conseguem captar minha atenção precária e tão dispersa de modo violento e repentino, mas, em sua (ou em minha) maioria, o exercício da percepção é sempre árduo, e acompanhado de repetição. Assim que quase sempre acontece, e desta vez não foi diferente.

Em seu primeiro longa de horror, Mariana Bastos, diretora e roteirista, nos oferece a história de Raquel (Valentina Herszage), uma jovem que volta a viver com o pai (Emílio de Mello) numa pequena cidade do interior, após perder a mãe brutalmente num crime de feminicídio. Como sugere o título, a ligação é nítida com inícios e a religião cristã, que é onde a jovem se refugia. É completamente natural que após eventos traumáticos, as pessoas procurem a fé, ou outros mecanismos com os quais consigam lidar com perdas e traumas. Raquel é, inicialmente, bem acolhida pelo grupo das jovens, a célula da igreja local, e logo se enturma. Em uma destas células, Raquel se vê diante das palavras retrógradas da Bíblia escritas em outro contexto e tempos sendo aplicadas para uma sociedade com novas necessidades e entendimentos a respeito do ser humano, questiona a validade daquelas palavras e, naquele momento, a sua via crucis começa.

Foto: Divulgação


Já em seus instantes iniciais, o roteiro de Raquel 1:1 define bem o caminho que a narrativa fílmica explorará quando evidencia a questão do feminismo, do conservadorismo cristão, da violência contra a mulher, e da habitual rebeldia juvenil, que neste caso é mais que bem vinda. Uma cena que parece dar o start à inquietação e inconformidade começa com um pesadelo com sintomas febris, onde Raquel delira, balbuciando palavras. Um destaque positivo é a naturalidade da atuação de Valentina Herszage que, confortável, desempenha a limiaridade que se espera de uma jovem com traumas, esperanças e fé, tudo isso em meio à adolescência, o período mais agridoce e conturbado da vida de qualquer pessoa. (Se você ainda está passando por ela, desejo boa sorte.). A força do olhar que ela demonstra estar sempre entre a candura e a loucura, reforçam o sentimento ambíguo que se deseja retratar. Uma menção ao ator Emílio de Mello que entrega um pai racional e cuidadoso, que cuja relação com a protagonista se nota (ou se intui) um tanto estremecida. O longa também acena para elementos surrealistas e técnicas que compõem o gênero do horror, mas ao despir o gênero, os elementos e a estética - e esta é uma cinematografia que preza por cores específicas, remetendo ao universo sacro da pintura, como na cena final - no centro da trama está uma história de amadurecimento.


Como se diz dentro de uma corrente de estudo da literatura, forma é conteúdo; e quando as alegorias ornam o filme quase como easter eggs - seja o quadro pendurado na parede, ou o enorme terço dentro de casa, ou até a simbologia da pedra: morte e vida, perda e revelação - também cumprem a função de contar a história. Mas, a sensação que ficou comigo, após os 90 minutos, é a de que faltou alguma coisa. Talvez pela duração do filme? E se tivesse sido mais longo, teríamos a oportunidade de ver o desenvolvimento maior da personagem Laura, interpretada por Eduarda Samara, que permaneceu ao lado de Raquel desde a pequena ignição de mudança? Teríamos visto um pouco mais da descoberta de si de Raquel? Ou talvez estas questões eram intencionais? Perguntas respondidas ou não, Raquel 1:1 vence quando mostra com beleza e sutilidade que toda e qualquer mudança começa silenciosa e febril, como uma pequena chama.


Nota: 3,5/5

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