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  • Foto do escritorMatheus Gomes

Crítica | Skinamarink

Uma experiência aterradora sobre nossos medos mais primitivos

Divulgação


O cinema experimental tende a causar seu devido estranhamento no grande público. “Filme excêntrico conceitual indie? Tô fora” – dizem. E bom, a verdade é que muito do que se vende como “experimental” acaba se mostrando miseravelmente chato à medida em que exige demais daquilo que se diz estar escondido nas entrelinhas. Porém, em ‘Skinamarink’, longa-metragem de estreia do diretor e roteirista Kyle Edward Ball, essa lógica é subvertida em favor de uma experiência única que foge (e muito) do convencional. Não à toa, a produção causou grande burburinho nas redes ao ser considerado por muitos o filme mais assustador do ano.


A trama segue Kevin e Kaylee, duas crianças que acordam no meio da noite e percebem que seu pai desapareceu sem deixar rastros. Além disso, portas, janelas e outros objetos parecem seguir o mesmo destino. No decorrer do filme, acompanhamos os garotos durante a madrugada e suas reações perante as coisas estranhas que estão acontecendo dentro da casa. Vale dizer, desde já, que tudo isso ocorre de maneira desconexa, em que grande parte da condução narrativa ocorre fora dos nossos olhos, já que vemos tetos, chão, paredes e as silhuetas dos pequenos, mas nunca seus rostos.


Em uma incursão mais profunda, percebemos que a história possui muito mais camadas do que aparenta. A decisão de utilizar crianças como únicos personagens do enredo diz muito sobre a intenção do roteiro em deixar o espectador completamente à deriva. Pouco se sabe sobre o background daquela história, e é apenas através de alguns diálogos confusos entre os dois irmãos que podemos ir tendo a mera ideia do que realmente se passa – o que torna tudo ainda mais assustador.

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A proposta é justamente causar estranheza, a qual vem atrelada a um sentimento deturpado de nostalgia. Isso porque o desenrolar da trama é especialmente voltado ao resgate de um dos sentimentos mais primitivos do ser humano: o medo do escuro. O longa explora nossos instintos mais infantis e utiliza um território familiar como artifício materializador de uma atmosfera hostil e obscura. Em síntese, a sensação de assistir aos momentos iniciais de 'Skinamarink' é análoga a de acordar de um pesadelo e se deparar com um quarto envolto na escuridão.


Para criar essa atmosfera, o longa se utiliza de artifícios sensoriais para causar o efeito de “pesadelo”. Com uma câmera de efeitos granulados que remetem à tentativa dos olhos humanos de se adaptar ao escuro, a casa em que o filme é ambientado tem seus cômodos e corredores transformados em verdadeiros “espaços liminares”, termo utilizado para caracterizar lugares vazios, fora de contexto, que causam sensação desconfortável de medo, nostalgia e familiaridade.


E é justamente nesse quesito que 'Skinamarink' é bem sucedido em sua empreitada, tornando-se impossível de esquecer. A atmosfera sombria pautada na incerteza do que se esconde nas trevas transforma o longa em uma verdadeira experiência imersiva. Tudo é perfeitamente pensado para causar desconforto: A câmera estática, o escuro, a ausência de som e o sentimento de dissociação da realidade atuam como condão de um filme que tem como principal objetivo assustar quem assiste. Os “jump scares” são moderados e, quando utilizados, encaixam muito bem com a situação em tela.

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Todavia, é preciso fazer algumas ressalvas. Muito embora seja reducionista considerá-lo “chato”, o filme peca pelo excesso de cautela na hora de construir sua narrativa. Penso que poderia se dar muito melhor como um curta ou média metragem, já que, muito embora a tensão criada ajude a segurar os curiosos, a demora que o filme leva para engatar é uma verdadeira barreira, o que o torna maçante em diversos momentos.


'Skinamarink' é ousado, para dizer o mínimo. Redirecionar a atenção para imagens estáticas e deixar os sons e a imaginação do espectador fazerem o trabalho narrativo requer nada menos do que uma execução eficiente – e é o que ocorre aqui. Sabemos que trazer para as grandes telas experimentos dessa magnitude é uma tarefa difícil, e conseguir que deem certo é mais difícil ainda.


Por isso, apesar de ter seus erros (e, confesso, a lentidão é o maior deles), o trabalho de Ed Ball é fulminante em sua finalidade. O medo é real, bruto e quase palpável. Assistir 'Skinamarink' à noite e sozinho foi talvez uma das experiências mais reais de terror que eu pude experienciar, com sequências que fazem gelar a espinha sem precisar mostrar muito, sendo essa é a genialidade de sua execução. Logo, fica de lição: não dá pra torcer o nariz logo de cara quando nos deparamos com “cinema experimental”, às vezes achamos coisa boa por aí.


Nota: 4/5

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