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  • Foto do escritorDavid Shelter

Crítica | Smiley (1ª temporada)

Um suntuoso banquete de clichês, romance e conforto

Divulgação: Netflix


Rejeição: substantivo; ação ou efeito de rejeitar (demonstrar repúdio). O ato de rejeitar é algo muitas vezes impulsivo baseado nos gostos pessoais de um indivíduo, somado muitas vezes à inaptidão de se abrir para novos horizontes. Em outras vezes, é algo que se determina por atitudes que nos causam afastamento. Em ambos os casos, quando se trata da relação humana, gera desconforto, no mínimo, além de raiva, mágoa, etc. É um tema bastante recorrente em obras que envolve o famoso 'enemies to lovers', presente em comédias românticas e romances, elevando o grau do clichê a níveis estratosféricos, ao passo que também continua a gerar emoções no espectador quando bem feito.


'Smiley', série espanhola que silenciosamente estreou na Netflix no dia 7 de dezembro, traz como tema principal o possível romance entre dois caras que teimam que se detestam. Ela nos apresenta Àlex e Bruno, dois homens gays na faixa dos 30 que por um grande acaso (ou não?) acabam se conhecendo. Ambos são marcados por relações afetivas passadas que não geraram bons frutos, e evidenciam isso cada vez que entram em contato um com o outro. Àlex é um barman orgulhosamente padrão que trabalha em um bar queer, enquanto Bruno é um arquiteto e alguém relativamente mais introverso. Ambos se esforçam para fazer o outro odiá-lo, e é justamente isso que os aproxima.


Comédias românticas têm uma dependência de alguns fatores; o carisma dos protagonistas e a química deles são alguns dos mais importantes, outra coisa muito pertinente é a presença obrigatória de clichês. Se tratando da série, ela tem todos os fatores a seu favor, e um grande ponto positivo foi a decisão de escolher um cenário com gays adultos e marcados para guiar a história. Por mais que seja fofo ver diversas produções LGBTQIA+ em que os personagens estão vivendo seu primeiro amor, é revigorante quando surge algo que traz uma nova abordagem, além do grande bônus de ela ser bem produzida.


Apesar de algumas coisas serem melhor compreendidas por quem tem certas vivências, ela consegue conversar bem com o espectador de maneira geral, independente da identificação com a história. A retratação da vida adulta e seus flagelos é bem colocada em diversas situações diferentes, e o texto fluido atrai a atenção do público de forma rápida. Além da presença de um elenco que tem uma energia de grupo que se encaixa com facilidade, aprimorando também seus personagens de maneira individual. Miki Esparbé traz um Bruno cativante mesmo que pareça arisco, enquanto Carlos Cuevas tem um Àlex carismático e irritante de um jeito atraente, além dos diversos coadjuvantes trabalhados durante os oito episódios.

Divulgação: Netflix


Solidão: substantivo; estado de quem está só, retirado do mundo ou de quem se sente desta forma mesmo estando rodeado por outras pessoas; isolamento. Um dos temas que aparece na série, a solidão, é retratada através de alguns personagens e com visões diferentes em cada um. A forma como a solidão atinge o ser humano muda de acordo com a perspectiva de cada um, por vezes é possível que vista de fora pareça dolorosa, mas quando vivenciada pela pessoa, é, na verdade, solitude. Essas abordagens dão uma camada a mais para a trama, exaltando ainda mais o seu comprometimento com quem está assistindo, ela não apenas insinua, ela adentra no tema.


A série utiliza de dois personagens para aprofundar esse tópico, Javi e Ramiro, ambos mais velhos que os demais, e com histórico de escolhas que os levaram até onde estão. Não há sutileza em relação a isso, a série é direta e põe em tela o que deseja que seja visto e compreendido, traçando diálogos dolorosos e pessoais, fazendo o espectador mergulhar nessa vastidão.


Ela também faz uso de aplicativos de pegação para amplificar a solidão na trama. Os momentos de vulnerabilidade dos personagens, onde estão curvados pela tristeza e sucumbem sempre ao mesmo caminho do qual eles próprios já estão cansados. A verossimilhança com a realidade faz com que essa parte se torne um pouco mais carrasca, é comum recorrer a aplicativos para sanar desejos ao passo que eles também fazem crescer um sentimento no íntimo da pessoa que gera uma repulsa. A repetição e a conexão robótica com outros usuários trazem à tona a sensação de fracasso e derrota, e vemos em tela com clareza a utilização disso para repassar todos esses sentimentos.


Outro personagem em que é possível reparar uma nova abordagem de solidão, é Albert, interpretado pelo querido Eduardo Lloveras. Apesar de casado e estar em um relacionamento estável, vemos uma derrocada do personagem que parece não condizer com sua vida atual. A interpretação de Lloveras externa, inicialmente de maneira mais branda, esse sentimento, e que mesmo rodeado de amigos e de sua família, alguns acontecimentos o colocam dentro de uma espiral que parece ir cada vez mais para baixo.

Divulgação: Netflix


Atração: substantivo; cobiça, interesse ou vontade que alguém possui em relação a outra pessoa, ou coisa. Obviamente em uma produção como tema central o romance faria uso de atração entre seus personagens. Como dito anteriormente, os protagonistas tentam se repelir a todo custo, dando razões para odiarem um ao outro enquanto fingem que não estão atraídos. Nesse ponto, os atores escancaram a química que têm, fazendo com que Bruno e Àlex ganhem a torcida de quem assiste.


Não se limitando apenas a eles dois, a série transita por diversos personagens enquanto brinca com o que os atrai, seja outra pessoa ou algo que almejam. Em relação à atração entre pessoas, ela trata com várias abordagens, desde a somente física até a romântica, e trabalha as subtramas de acordo com o que pretende expor. Não somente isso, ela faz uso também da aversão em alguns casos, quando há a perda de interesse e fica óbvio que talvez ali não exista mais algo que antes havia.


Conforto: substantivo; ação ou efeito de confortar, estado da pessoa que se sente confortado, aliviado. Sendo uma obra LGBTQIA+ bem produzida e caprichada, 'Smiley' acaba se tornando aquela 'comfort series', pela forma com que aborda os temas que propõe e como consegue abarcar tantas personalidades e histórias dentro de sua trama. Sem qualquer prepotência, ela se mostra uma série objetiva e com diversas camadas no decorrer de seus episódios, sem medo de abordar temas conflituosos que poderiam gerar aversão do público.


É demasiadamente reconfortante como ela se esforçou para caber dentro de tantas vivências e respeitosamente trouxe para as telas suas tramas diversificadas. Por mais que haja momentos de tensão, ela unifica todos os sentimentos e no final prova que é possível trazer alegrias abordando a realidade. Ela traz conforto em seus clichês, em seu romance e em sua solidão. É uma série sobre ser gay na vida adulta em um mundo tão caótico e subversivo, e fez isso com maestria.


Nota: 4/5

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