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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Tetris

Filme aposta no absurdo da realidade para se distinguir num mar de biografias semelhantes

Foto: Divulgação


De todas as abordagens que um filme sobre Tetris poderia ter, um thriller político certamente era uma das últimas que eu tinha em mente. A princípio, tal abordagem parece até uma escolha deliberada do longa para se distinguir da seara de obras biográficas cada vez mais idênticas entre si, com o trailer ainda nos dando a impressão de que assistiríamos uma sátira. Mas não: a despeito de liberdades típicas de quaisquer adaptações, a história real aqui trazida foi sim composta por disputas internacionais por direitos autorais, espionagem, corrupção política e econômica, titãs midiáticos britânicos e o decadente governo soviético nos últimos anos da URSS.


Nosso fio condutor por uma trama surpreendentemente tão intrincada é Henk Rogers (Taron Egerton), um designer de jogos e empreendedor holandês-estadunidense que descobre o potencial do Tetris durante uma convenção em Las Vegas e busca então adquirir os direitos do jogo para a Nintendo no Japão, onde mora. Mas ele logo descobre que há um mar de negociações e cessões de direitos autorais que envolvem, dentre outras pessoas, o bilionário britânico Robert Maxwell (Roger Allam) e seu filho Kevin (Anthony Boyle), que logo se tornam seus adversários na busca por esses direitos. Isso faz com que Henk viaje até Moscou para tentar negociar diretamente com o criador do jogo, Alexey Pajitnov (Nikita Yefremov), mas não tarda para os dois homens se verem como alvos da KGB e de agentes e políticos corruptos do governo de Gorbachev.


A despeito do tom de sátira que o material de divulgação passava, Tetris é um filme surpreendentemente sério e até tenso, conforme mergulha nos meandros dessa trama que se torna cada vez mais complexa. Há alguns momentos mais lúdicos que remetem ao próprio jogo, como as passagens de “fases” dentro do roteiro ou as transições de cenas e até mesmo uma perseguição em 8 bits. É uma pena que esses recursos não sejam mais explorados do que poderiam, de modo que suas inserções acabam sendo quebras na sobriedade que a trama tenta trazer — bem-vindas, mas causando um certo desbalanceamento.

Foto: Divulgação


Chega ser paradoxal, portanto, que o filme ainda assim consiga exalar tamanho absurdo mesmo quando sóbrio. A trama quase labiríntica, permeada por negociações e traições, pode fazer o espectador se perder em alguns momentos, mas isso não acontece por causa do calor que irradia da atuação de Egerton como Rogers. Ainda que o roteiro não chegue a explorar seu lado ambicioso e obsessivo afora uma única cena envolvendo sua família, o ator traz à tela um homem que deseja fazer a coisa certa mesmo no emaranhado conspiratório no qual se envolve. Contudo, ao focar seu protagonismo em Rogers, o filme acaba sacrificando um certo espaço que poderia ser dado a Alexey, de modo que demora para que compremos o vínculo deles dois.


Aliás, é quase cômico que Rogers seja não um “white savior”, mas um “capitalist savior” que tem as melhores das intenções em fazer Alexey rico. Poucas vezes vi um filme tão descaradamente anticomunista, repetindo os mesmos chavões que já vimos em outras obras ambientadas na URSS ou que tragam os russos como antagonistas: a ausência de liberdades e direitos, a corrupção e degradação da máquina estatal soviética, os russos bonzinhos que só querem escapar da ditadura comunista, a fotografia cinzenta e opressiva, etc.. Nada sutil em meio ao cenário anti-Rússia que vivemos, e me pergunto se algum dia os EUA descobrirão que a Guerra Fria já acabou.


Se o espectador for capaz de deixar esse olhar crítico para o anticomunismo exagerado, porém, encontrará uma obra surpreendentemente envolvente e tensa, mas também bastante divertida quando decide mergulhar no material-fonte do jogo, ou quando reconhece que a história adaptada é tão absurda que não se deve julgar quem achar que ela é fictícia. Embalado pela trilha sonora deliciosamente synth-pop de Lorne Balfe (com direito a versões em japonês de hits pop dos anos 80 como Holding Out For a Hero), Tetris é um daqueles casos onde a realidade supera tanto a ficção que o filme quase não lhe faz jus. Ainda assim, ele merece créditos por saber que dá para extrair dessa realidade material interessante o suficiente (e com uma execução atraente) para se distinguir em meio à produção fordista de biografias que domina Hollywood atualmente.


Nota: 3,5/5

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