Danielle Deadwyler brilha em adaptação contida e respeitosa sobre um flagelo ainda atual
Divulgação: Universal Pictures
O drama que conta a dolorosa história real do linchamento do jovem Emmett Till é um filme duro, assertivo e sensível. Em 1955 o adolescente negro de 14 anos deixou a casa de sua mãe, Mamie Till, em Chicago para visitar seus primos no Mississipi. O estado ao Sul dos Estados Unidos ainda segregava negros de brancos e Mamie deixa seu filho ir, mas com muito receio de que o espírito efusivo do filho causasse algum problema para ele. Depois de um pequeno desentendimento com uma mulher branca numa loja local, Emmett é sequestrado da casa do seu tio durante a noite e linchado até a morte. A adaptação então segue o processo de superação de Mamie e como ela pode usar sua dor e seu luto como forma de protesto e gesto de mudança social nas leis racistas dos Estados Unidos.
A direção da nigeriana Chinonye Chukwu é firme, redonda e sem muitos floreios artísticos, mas também não precisa de muitos apelos quando se tem a força que a história carrega e os enquadramentos do expressivo olhar de Danielle. O longa se vende e se basta apenas com a atriz. Danielle é uma força da natureza ao conduzir o drama de uma mulher que mesmo tendo suporte de familiares, e de sua comunidade, enfrenta uma batalha solitária contra um peso que só uma figura materna negra consegue encarar, ao mesmo tempo em que precisa se mostrar forte para – de certa forma – liderar um movimento criado a partir do seu momento de mágoa. Apenas com o olhar Danielle consegue imprimir o bolo indigesto de sofrimento, angústia, tensão, força e resistência da personagem, mas, ainda assim, ela vai além disso.
A produção não é graficamente violenta e, na medida do possível, é até cautelosa e respeitosa em abordar os momentos mais delicados. O jovem ator Jalyn Hall entrega carisma mesmo nos poucos momentos em que aparece, de fato todo o elenco de apoio mostra qualidade e sabem a responsabilidade que seus papeis, por menores que sejam, tem no todo.
Divulgação: Universal Pictures
O filme se encerra esfregando na cara da audiência a desestimulante verdade, que apenas em março de 2022 a Emenda Emmett Till de Anti-Linchamento foi aprovada nos Estados Unidos, 67 anos do acontecido. A briga de Mamie Till ainda se faz presente e vai contra um sistema que parece não se importar ou se esforçar para se transformar, e que isenta completamente os culpados. E essa chaga é também nossa e também atual. No livro Linchamentos, do sociólogo José de Souza Martins, nos últimos 60 anos cerca de um milhão de pessoas participou de linchamentos no Brasil, evidenciando que o Brasil seja o país que mais pratica esse ato no mundo.*
Assistir a um filme onde você já sabe o tanto de agonia contido na história por vezes pode parecer um exercício de autopunição, apesar da importância de se contar aqueles fatos, e por mais que filmes como Till - A Busca Por Justiça mereçam ser chamados de “necessários” é exaustivo pensar quantos mais ainda precisarão ser feitos para que comecemos a ver uma real mudança na consciência coletiva e no senso comum. O que deixa o sentimento de revolta ainda mais proeminente é ver que esse e outros exemplos pintados à sangue na história mundial parecem não gerar qualquer resultado. Mas em nome de Emmett Till e Mamie Till ainda é necessário. Em nome de Moïse Kabagambe, de Tyre Nichols, de George Floyd, de Dandara dos Santos, e de tantos outros.
*Recomendação: Documentário A Primeira Pedra disponível no Globoplay.
Nota: 4/5
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