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Foto do escritorFilipe Chaves

Crítica | Treta (1ª temporada)

Criativa, impactante, profunda e uma das melhores estreias do ano

Foto: Divulgação


Em um dia que já não começa muito bem, Danny (Steven Yeun) tem um desentendimento com outro motorista no trânsito e acaba envolvido em uma perseguição pela cidade. O que ele não sabe, é que no outro carro há uma motorista chamada Amy (Ali Wong), que também não está no melhor dos seus dias. Querendo se vingar de alguma forma, Danny consegue localizar a moça, que também não o conhecia até então, e o que era uma simples treta de trânsito, toma rumos completamente inesperados.


Esta vai ser uma crítica sem spoilers, porque quanto menos você souber, melhor será sua experiência. Já começo dizendo que é uma das melhores séries do ano e a melhor da Netflix em um bom tempo. Treta é esperta, criativa, cômica e dramática, e no mar de opções ofertadas pelo catálogo, ela se destaca de longe. Há muito de comédia aqui e tive algumas boas gargalhadas, mas é pela veia dramática, através do alto teor de complexidade do seus personagens, que a produção ganha substância. Danny é um empreiteiro com problemas financeiros e Amy uma empresária bem-sucedida, e com vidas tão distintas, eles são mais parecidos do que imaginam. Para entendermos a rusga principal da série, é necessário que entendamos quem são aquelas pessoas, o porquê delas agirem daquela forma, e é isso que o roteiro faz com maestria. Não dá pra defender certas atitudes, mas podemos, pelo menos, compreender suas falhas enquanto tentam acertar em alguns pontos das suas conturbadas vidas.


Steven Yeun e Ali Wong estão irretocáveis. Os dois são ótimos atores e já haviam comprovado isso em trabalhos anteriores. Aqui eles mostram toda sua versatilidade, passeando com facilidade pelo drama e pela comédia. Se em um momento eles estão me fazendo rir com alguma discussão boba, com caras e bocas – que jamais soam caricatas – em outro momento me fazem chorar, principalmente quando tratam de suas relações familiares. Danny com seu irmão caçula e Amy com sua filha. São as pessoas mais importantes do mundo para eles, e é com eles que os protagonistas demonstram suas melhores personalidades, e ainda assim os machucam constantemente. Complexo? É mesmo. Mas é isso que faz a série ser tão boa e é aí que Yeun e Wong brilham. Com personagens difíceis, em algum momento conseguimos sentir empatia e nos identificar com eles, graças ao trabalho magistral dos dois, que é detalhado por traços faciais, olhares ou até na voz, tornando-os pessoas reais, como todos nós, que cometemos erros e acertos, não fazendo idéia de que uma pequena ação pode gerar uma tremenda reação.

Foto: Divulgação


São dez episódios de pouco mais de meia hora cada, dá pra assistir em uma maratona e ela não fica cansativa, mas como exige um pouco mais da sua mente, um intervalo entre um episódio ou outro é muito bem vindo. Alguns desses episódios, o quarto e o nono, em especial, são dos melhores que eu vi neste ano. Não vou entrar em detalhes porque não quero dar spoilers, como disse, mas a trama é tão bem construída, que os eventos, ainda que pareçam absurdos, acontecem organicamente. Como uma bola de neve, uma coisa vai levando a outra e escalonando de uma maneira impressionante, sem jamais se perder no tom ou deixando os personagens de lado em detrimento do choque. Eles estão ali e o que acontece com eles importa. A direção centraliza isso, e ainda que brinque com vários gêneros, percebemos que há um controle da situação, mas que cada diretor sabe deixar sua assinatura. Hikari dirige os cinco primeiros, Jake Schreier do sexto ao nono e o próprio criador da série, Lee Sung Jin, dirige o ótimo final da temporada. Jin, aliás, tem também um excelente time de roteiristas, que honram sua criação a cada episódio, com alguns destaques já citados, claro. É nesta junção de roteiro, direção, elenco, fotografia, direção de arte e uma belíssima trilha sonora que resultam em uma produção que merece sua atenção.


A meu ver, o último episódio captura bem a essência da série, focando em seus dois protagonistas, e ainda que não haja tanta ação, há muito para se refletir ali através de maravilhosos diálogos. Se houver uma 2ª temporada, estarei assistindo com a esperança que a qualidade desta temporada de estreia seja mantida. Dinâmica, inovadora, cheia de humor ácido, momentos de emoção bastante genuínos e vários questionamentos e reflexões sobre a vida e como uma mínima situação que parecia a coisa mais boba do mundo pode desencadear inúmeros acontecimentos imprevisíveis. Não é tudo que atinge a perfeição, mas Treta chega muito perto.


Nota: 5/5

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