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Foto do escritorGabriella Ferreira

Crítica | Wicked

Talvez a narrativa predominante seja apenas o que os poderosos querem que seja enxergado

Foto: Divulgação


Dorothy e os sapatinhos vermelhos, o espantalho, o homem de lata, o leão covarde, a bruxa boa e a bruxa má, o caminho dos tijolos dourados, a cidade das esmeraldas, Over the Rainbow, o mágico de Oz. A fábula que faz parte do imaginário popular nasceu da mente de L. Frank Baum em 1900, chegou aos cinemas em 1939 e tornou-se um dos maiores e mais influentes clássicos até então. De lá pra cá, O Mágico de Oz virou referência e diversas outras obras surgiram do cerne da sua história, algo bastante usual quando falamos de tramas importantes para a cultura de forma geral. 


Foi nos anos 90 que o romancista americano Gregory Maguire resolveu se aprofundar na Bruxa Má do Oeste, uma das mais icônicas vilãs do cinema, da cultura americana e que moldou o nosso imaginário sobre bruxas desde o filme clássico, sendo verde, cruel, de chapéu pontudo e voando em uma vassoura. Gregory lança o livro “Wicked: A História Não Contada das Bruxas de Oz” e tenta responder uma grande questão filosófica sobre vilões de uma forma geral: as pessoas nascem ou se tornam más?


Utilizando o livro como base, em 2003, o compositor Steven Schwartz criou a peça de mesmo nome Broadway que estreou com as atrizes Idina Menzel e Kristin Chenoweth nos papeis principais. O espetáculo é um dos mais bem-sucedidos da história da Broadway e é um dos únicos a arrecadar mais de US$ 1 bilhão em bilheterias - ao lado de O Fantasma da Ópera e O Rei Leão com adaptações ao redor do mundo, inclusive no Brasil. 


Mas, querendo ou não, a grandiosidade de Wicked ainda estava muito nichada ao público ligado ao teatro musical, muito fiel e forte, sem dúvidas, mas desconhecida aos olhos de quem não se interessa tanto por essa arte. Aos olhos de Hollywood, apostar em uma adaptação tão conhecida era só questão de tempo e depois de uma pré-produção de mais de 10 anos, foi pelas mãos do roteiro de Winnie Holzman e Dana Fox e com a direção e o olhar aguçado do talentoso Jon M. Chu, que Wicked chega aos cinemas nesta semana, dividindo sua grandiosa história em duas partes, tal como os atos que dividem a peça que o inspirou. 

Foto: Divulgação


Logo nos primeiros segundos de projeção somos lembrados da trama clássica de O Mágico de Oz, especialmente do seu final, onde a Bruxa Má do Oeste havia sido morta por Dorothy e que agora o povo de Oz comemora alegremente o fato do mal ter sido derrotado e da bruxa ter morrido sozinha e solitária. Glinda (interpretada por Ariana Grande) aparece enaltecida pelo povo e, depois de ser questionada sobre o fato de ter sido amiga da bruxa, somos introduzidos para a parte da história que conta o outro lado da moeda. 


De forma geral, sem dar muitos spoilers, Elphaba (Cynthia Erivo) é uma jovem do Reino de Oz, incompreendida por causa de sua pele verde incomum e por ainda não ter conseguido domar seus poderes. Renegada pelo pai, que prefere sua irmã, sua rotina é tranquila e pouco interessante, mas ao iniciar seus estudos, por acaso, na Universidade de Shiz, seu destino encontra Glinda, aqui ainda Galinda, uma jovem popular e ambiciosa, nascida em berço de ouro e extremamente privilegiada, depois de um ódio mútuo no início, as duas iniciam uma inesperada amizade. No entanto, suas diferenças, como o desejo de Glinda pela popularidade e poder, e a determinação de Elphaba em permanecer fiel a si mesma, entram no caminho, o que perpetuado no futuro de cada uma e em como as pessoas de Oz as enxergam.


Curiosamente, Wicked inspirou uma grande parte das histórias que vemos hoje sobre humanização de vilões e a busca por uma resposta do motivo pelo qual eles se tornam maus. Esse tipo de trama, em um universo tão já saturado de spin-offs e prequels, pode te fazer pensar que a história não consegue trazer nada de novo sob essa ótica vilanesca. Os vilões são vilões e pronto. Mas será mesmo que é só isso? 


Em Wicked, mergulhamos em uma trama que, desde o início, nos mostra que talvez a narrativa predominante é a apenas o que os poderosos querem que seja enxergado. Utilizando-se da originalidade de contar sua história única através de um dos gêneros mais especiais e do mesmo modo que a fotografia ou a trilha sonora podem revelar mais sobre as personagens e seus relacionamentos entre si, as canções que fazem parte da narrativa de Wicked também possuem esse poder e engrandecem uma história que brilha ao abraçar a sua fantasia como um todo. 


O maestro deste universo é Jon M. Chu (responsável por In The Heights - Um Bairro em Nova York de 2021, outra excelente adaptação do teatro musical), que conduz a trama com uma câmera ágil, que quase se mescla com a beleza visual criada pelos efeitos visuais. Com uma fotografia que abraça essa mistura entre os tons rosas e verdes, Wicked também se torna um deleite pela sua entrega na direção de arte e cinematografia. 

Foto: Divulgação


Mas, quem torna Wicked o que de fato ele é são suas duas protagonistas. E mesmo que Glinda seja colocada como coadjuvante, vejo as duas aqui como iguais, quase como polos opostos que se atraem e se completam por serem tão diferentes e tão parecidas ao mesmo tempo. Ariana Grande é uma Glinda que conquista pelo seu texto sagaz, mas também por uma atuação que não se distancia do material original, mas que consegue ter vida própria dentro das referências da cantora. Ela, que é uma grande fã do musical, se viu com o papel de sua carreira em mãos e honrou o desafio com maestria, alterando até o tom de voz e a forma como ela pronunciava as palavras ao cantar. 


Se Ariana brilha no cômico, Cynthia Erivo brilha mais nos momentos dramáticos com uma atuação intensa e angustiante, quando vamos entendendo tudo o que Elphaba passou e a sua decepção com quem ela reverenciava. Com um senso de justiça e uma grande vontade de mudar as desigualdades ao seu redor, Elphaba é uma personagem repleta de nuances e Erivo conta isso com maestria através da atuação. Além das protagonistas, Wicked tem um ótimo elenco coadjuvante que, na mesma medida, entrega boas atuações e boas performances nos atos musicais. 


Por falar na parte musical, Wicked une a tradição da Broadway com canções que ficam na sua cabeça por semanas depois de ouvi-las. A versão do filme mudou pouco comparada a versão original, entregando performances que ressoam até em quem não costuma gostar tanto. O destaque, na minha opinião, vai para as versões de “Popular”, “What is this Feeling?” e, claro, “Defying Gravity”, o grande ápice da história que se torna o clímax perfeito para o encerramento dessa primeira parte. 


Conheci Wicked em 2013 quando ouvi em Glee uma das versões do musical e me apaixonei pela música que falava sobre desafiar a gravidade como uma metáfora para acreditar em si mesmo. A partir daí, entrei nesse mundo do teatro musical e admiro a história de Elphaba e Glinda com um carinho e uma familiaridade enorme. Devo dizer que aquela majestosidade que via nos vídeos gravados do teatro não pareciam que iriam ser transposta nas telas. Parecia muito difícil, irreal, diferente. Torci o nariz no anúncio da adaptação, fiquei com o pé atrás quando vi as escalações e entrei no cinema com mais medo do que ansiedade de ver uma peça tão importante pra mim ganhar uma outra vida. Quando depois de quase 2h40, ouvi as primeiras notas de “Defying Gravity” tocarem e Elphaba dizer que “algo mudou em mim, algo não é mais o mesmo”, também vi as lágrimas rolarem no meu rosto e senti aquela mesma sensação de familiaridade que Wicked me proporciona. Algo também mudou em mim e não sou mais a mesma após ver Wicked nos cinemas.


Nota: 4,5/5

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