Em entrevista para o Oxente, Pipoca?, diretories destacam a jornada do filme
Foto: Divulgação
Surgida em Nova York por volta da década de 1960, a cultura Ballroom se destaca pela realização dos balls (bailes), onde os participantes têm a liberdade de experimentar novas formas de expressão de identidade, gênero e potencial artístico através dos movimentos corporais, e tem como um de seus principais registros o documentário Paris is Burning (1990), de Jennie Livingston. No Brasil, a cultura Ballroom chegou ao Brasil há pouco mais de uma década, e a cena fluminense é o foco do documentário Salão de Baile, dirigido pela dupla Juru e Vitã e que tem contado com exibições pelo país afora, bem como no exterior.
Entrevistada pelo Oxente, Pipoca?, a dupla de diretories falou a respeito das influências, o processo de produção do documentário e a sua jornada em festivais e salas de cinema. Questionade a respeito das possíveis influências que Paris is Burning teve sobre a produção de Salão de Baile, bem como das diferenças entre os dois filmes, Juru diz que o primeiro é uma referência incontornável dentro do cenário audiovisual a respeito do Ballroom, mas que durante o processo de gravação de Salão de Baile diferenças foram sendo notadas, o que levou a dupla a buscar um diálogo crítico com Paris is Burning.
Elu destaca que a realização do filme só foi possível com editais públicos, um da prefeitura de Niterói e outro da Rio Filme, mas ainda assim as gravações foram feitas com um baixo orçamento. Entretanto, isso não impediu que elu e Vitã buscassem remunerar todas as pessoas envolvidas na produção. “A gente queria dar alguma dignidade, alguma estrutura para as pessoas que estavam participando, para que elas tivessem condições de poder de estarem performando, reproduzindo o que a gente vive na vida, nos bailes, compartilhar um pouco do que a gente vive”, diz elu.
Vitã complementa dizendo que é inegável a influência de Paris is Burning na cena Ballroom — destacando como elus voltaram ao filme durante o processo de montagem de Salão de Baile para se “apropriar” dele —, mas que também foram adotadas outras referências audiovisuais, como a série documental Segura Essa Pose, disponível na Globoplay. Para ela, o Ballroom conta com ramificações notáveis nos campos da dança, da moda e da música, e agora o audiovisual também está se tornando uma extensão relevante da cena.
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Devido à origem estadunidense do Ballroom, uma questão surgida na entrevista diz respeito ao uso de anglicismos e a maneira pela qual a cena local consegue “abrasileirar” ou não termos e conceitos do movimento. Juru afirma que o mundo do Ballroom é fortemente definido por regras muito próprias, muitas das quais surgiram nos anos 1970 e 1980, onde termos como “mulher trans” e “homem trans” ainda não haviam surgido. Se por um lado nos EUA haveria a categoria de “Femme Queen”, o Brasil possui a categoria de “travesti”, mas os termos não são necessariamente intercambiáveis, especialmente pelo fato de que acessos a procedimentos cirúrgicos e hormonais ocorrem de formas diferentes em ambos os países.
Para Vitã, mesmo com sua origem estadunidense e afrodiaspórica, o Ballroom ainda conta com outras referências culturais, como as artes marciais asiáticas ou termos do francês. No Brasil, a herança africana se destaca, com o uso de termos do iorubá, por exemplo. Mas sobre manter o uso de certos termos em inglês, ela afirma: “a gente usa [o inglês] porque é como foi criado, então também é uma referência a essa ancestralidade. Então a gente tá aqui criando novas formas e ressignificando tudo isso, mas usar os termos em inglês é se lembrar do contexto onde surgiu, não apenas nos Estados Unidos, mas na periferia de Nova York dos anos 70, com pessoas pretas e latinas, que eram marginalizadas. Então é importante reforçar isso e também fazer pontes com outras culturas”.
Por fim, Juru e Vitã não escondem o orgulho pela trajetória que Salão de Baile vem tendo, com exibições em festivais nacionais e internacionais. “Parece um sonho”, diz Juru. “Tá dando muito certo e tem sido muito potente a gente conseguir se conectar com essas cenas fora do Brasil, além das trocas com cenas locais nas exibições onde estivemos presentes. Rolaram até performances [de Ballroom] dentro dos festivais, e mesmo quando a gente não tá presente as pessoas articulam. (...) Eu acho que a gente conseguiu fazer o filme que fez porque estava falando de uma cena que a gente conhecia muito bem, e tinha uma relação de afeto com as pessoas que estão ali e que construíram o filme”.
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