Longa retorna aos cinemas em versão restaurada, quase três décadas após o seu lançamento
Foto: Divulgação
Em 1996, durante o período da Retomada do cinema brasileiro, foi lançado o longa-metragem Corisco e Dadá. Dirigido pelo cearense Rosemberg Cariry e gravado no Ceará e em Pernambuco, o filme se baseava na história real do casal de cangaceiros, interpretado por Francisco Díaz e Dira Paes, para falar acerca dos anos finais do movimento do cangaço no Nordeste entre os anos 1930 e 1940. Agora, quase três décadas desde seu lançamento, o filme volta aos cinemas em uma versão restaurada, com apoio da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e do Arquivo Nacional, dentre outros.
Em entrevista ao Oxente, Pipoca?, Rosemberg e Francisco falaram um pouco a respeito do processo de construção de Corisco e Dadá e também do protagonista, especialmente em meio ao contexto da Retomada. Rosemberg indica como um dos principais fatores para a realização do filme a entrevista que ele fez com a própria Dadá, a qual viveu em Salvador por décadas após a morte de Corisco, falecendo em 1994. Ele afirma que saiu da entrevista impressionado e disposto a fazer um filme que pudesse fazer jus a uma figura tão marcante quanto ela, mas que a concentração da produção audiovisual no eixo Rio-São Paulo, além da crise pela qual o cinema brasileiro passava no início da década de 1990, dificultaram a realização do projeto. Foi justamente o advento da Retomada e o surgimento de editais em outras partes do país que possibilitaram a existência de Corisco e Dadá.
A respeito das influências que permeiam o longa, Rosemberg aponta para múltiplas fontes. “O filme se reveste desse símbolo de luta de toda uma geração. Então há influência das narrativas orais, da literatura sobre o cangaço, dos estudos sociológicos e de todo um cinema que nos antecede: o Cinema Novo, dos filmes de aventura, dos filmes de ‘cangaço’ feitos em São Paulo”, afirma ele.
O fato da produção de Corisco e Dadá ter sido realizada no Nordeste também é motivo de muito orgulho para Rosemberg. “Significava muito para nós realizar um filme que fosse importante e que fosse impactante, que circulasse e demonstrasse que nós éramos também capazes de fazer cinema. Porque na nossa luta pela descentralização pela nacionalização da produção sempre se dizia: ‘ah, mas vocês não fazem isso mesmo, vocês não sabem fazer isso’. Então era preciso”, diz o diretor, que também destaca a produção de obras contemporâneas feitas em outros estados, como Pernambuco (tal qual Baile Perfumado) e Bahia, além da produção atual nordestina. “O certo é que nós temos hoje no Nordeste um dos cinemas mais importantes feitos desse país, com circulação e reconhecimento internacional”.
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No que se refere à concepção e construção de Corisco, Francisco Díaz reitera sua crença de que um personagem escolhe o ator e não o contrário, também creditando suas raízes mexicanas-peruanas para a sua interpretação. Ele enfatiza que Rosemberg não queria fazer um filme naturalista como tantos outros que abordavam o sertão nordestino e o cangaço, e que o contexto da produção da obra foi fundamental para a maneira como ele, Dira Paes e outros do elenco atuarem. “Não houve uma construção racional, pensada. (...) Havia muito desejo, uma ambição grande de cruzar aquele vão, aquela ponte, e foi assim, junto com aquele sertão – com seus mistérios, agruras, dificuldades – que foi se trazendo componentes para a minha voz, o meu corpo, o meu sono. Foi um processo muito intenso e interessante por isso”, afirma Francisco.
O ator relembra uma experiência particular que teve com o filme ao reassisti-lo agora em 2024, no Rio de Janeiro, em que uma cena que a princípio pouco agregava à trama – aquela em que o bando de Corisco e o grupo de volantes liderados por Zé Rufino se encontram em uma poça d´água – agora ganhara outro sentido para ele. Ele destaca: “a cena ganha um tom onírico, de delírio e surrealismo, é uma cena anormal que não poderia ter acontecido realmente. E eu acho que é uma síntese do vocabulário que Rosemberg impôs nesse filme, ou seja, de cenas muito fortes. Antes eu procurava uma explicação realista, mas hoje acho ela brilhante”.
Por fim, Rosemberg reitera a proposta de rejeitar uma visão naturalista durante a realização de Corisco e Dadá, destacando as diferenças nas interpretações de Francisco e Dira – ele, mais intenso e expansivo em cena, ela mais silenciosa e contida. O diretor também relembra os laços forjados pela equipe e elenco, este majoritariamente formado por não-atores e pessoas comuns do sertão cearense e pernambucano. “Esse filme virou um bando do cangaço num bom sentido [risos], e o Chico chorava de saudades dessas pessoas. Nós saímos transformados pelo processo, e quando vimos em tela ficamos assustados pelo que realizamos. Mas não fomos só nós, fomos nós e esses arquétipos, essa força, o espírito de Corisco e Dadá, a nossa vontade de que o Nordeste tivesse e fizesse cinema”, enfatiza.
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