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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | O Continental: Do Mundo de John Wick (Minissérie)

Atualizado: 13 de out. de 2023

Spin-off até tenta, mas não consegue atingir os níveis dos filmes de John Wick

Foto: Divulgação


Em minha crítica de John Wick 4, comentei sobre como era impressionante a evolução da franquia de uma simples história de vingança para uma uma das mitologias mais sólidas e impressionantes de Hollywood. O atrativo dessa mitologia era retroalimentado pela qualidade irretocável das sequências de ação, com setpieces cada vez mais elaboradas e deslumbrantes a cada filme, bem como um cuidado em sua coreografia e filmagem que as distinguia do padrão genérico de ação então corrente. Mesmo com o aparentemente fechamento da história do personagem-título no quarto longa, as portas estavam abertas para novas histórias serem contadas, e O Continental vem como a primeira empreitada deste universo para além dos filmes.


Na minissérie de três capítulos, somos transportados para a Nova York do final dos anos 70, para acompanharmos como Winston Scott (vivido por Ian McShane nos filmes e aqui por Colin Woodell) se tornou o gerente do Hotel Continental, lar novaiorquino dos assassinos que servem À Alta Cúpula. Tudo começa quando seu irmão Frankie (Ben Robson) rouba um objeto valioso do atual gerente, Cormac O’Connor (Mel Gibson), que vai atrás de Winston para forçá-lo resolver a situação. O que se segue a partir daí é uma jornada de vingança que envolve diversos grupos de assassinos e criminosos, culminando num audacioso plano para se tomar o Continental de O’Connor.


A princípio, a escolha por situar a minissérie no final dos anos 70 é certeira e parece se casar perfeitamente com o universo da franquia. Curiosamente, embora haja ainda uma forte influência do neo-noir como havia nos filmes, há uma escolha deliberada de se distanciar da estética opulenta e limpa deles para abraçar a decadência e sujeira dessa Nova York setentista. Da mesma forma, embora haja a presença de sequências de ação (especialmente no último episódio), a série prefere a abordagem de um thriller criminal e escolhe enfatizar seus personagens. Pelo menos em tese.


Digo “em tese” porque falta a esses personagens nos cativarem como os dos filmes faziam, a começar pelo seu protagonista. Nas mãos de McShane, Winston era um dos personagens mais intrigantes dos longas, servindo como mentor a John Wick e nunca deixando de ter sua própria agenda. Woodell até esboça para conferir à sua versão o ar calculista e misterioso da sua versão mais velha, mas suas motivações nunca parecem sólidas ou bem-fundamentadas o suficiente — e estamos falando de uma franquia que começou com um homem querendo vingar a morte de seu cachorro. Mesmo o início de sua relação com Charon (Ayomide Adegun) não recebe os devidos holofotes até o terceiro episódio, de forma que é difícil ver estabelecida a semente de uma das amizades mais bem-estabelecidas nesse universo.

Foto: Divulgação


A maioria dos núcleos e subtramas sofre de problemas semelhantes, sejam os irmãos Miles (Hubert Point-Du Jour) e Lou (Jessica Allain), a policial KD (Mishel Prada) e seu parceiro/amante Mayhey (Jeremy Bobb), bem como Yen (Nhung Kate), esposa de Frankie. A série tenta pincelar seus dramas particulares, mas a sensação constante que se tem é de que esses conflitos dramáticos tomam um tempo considerável nos episódios. Do lado dos antagonistas, a presença de Mel Gibson é inegavelmente desconfortável, para dizer o mínimo, dado o seu histórico antissemita, racista e homofóbico fora das telas. Seu vilão recebe diálogos constrangedores e tudo o que o ator consegue entregar é uma presença exagerada até para os padrões da franquia, não conseguindo se encaixar aqui.


Apesar de um elenco em geral deficitário, há alguns nomes de destaque. O sempre ótimo Ray McKinnon brilha como Gene, um dos aliados de Winston, oferecendo a devida quantidade de humor sardônico de que a série precisa. Katie McGrath, mesmo aparecendo pouco, rouba a cena como a Juíza, sendo capaz de expressar através da personagem todo o brilhantismo da mitologia da franquia que o restante da série não consegue. E Mark Musashi e Marina Mazepa entram para o panteão dos assassinos mais memoráveis desse universo ao interpretarem uma dupla silenciosa e mortífera de gêmeos.


Toda essa problemática de personagens tão desinteressantes poderia ser perdoada, porém, se os elementos formais da série se destacassem. Infelizmente, apesar da escolha consciente de se criar uma ambientação e estética novas para a franquia, elas são bastante prejudicadas por um trabalho de fotografia que nos joga em sequências tão escuras e mal iluminadas que é praticamente impossível ver os episódios de dia ou em um local muito claro. Já a montagem potencializa as irregularidades da série, parecendo estender as alongadas durações dos episódios (em torno dos 90 minutos) devido à escolha narrativa de priorizar os personagens e seus conflitos pouco atraentes. Por sua vez, a trilha sonora, repleta de artistas consagrados como Pink Floyd, The Who, Earth, Wind & Fire, Donna Summer, Yes, Chicago e outros, nos transporta eficazmente para aquela época, mas é usada de maneira tão excessiva que até eu, que sou grande fã das músicas dessa época, me senti saturado.


Já no tocante às sequências de ação, elas aparecem de maneira moderada, mas geralmente com uma coreografia exemplar, tanto nos tiroteios quanto nas lutas corporais. Há duas lutas no último episódio, inclusive, que são talvez o ponto alto da série, especialmente pelos contextos envolvidos. Entretanto, Albert Hughes e Charlotte Brandstrom, que dirigem os episódios, nem de longe tem a finesse de Chad Stahelski nos filmes, percebendo-se às vezes uma montagem um pouco picotada e confusa que não poderia estar mais distante da linguagem imprimida pelos filmes e que mudou a história do gênero da ação em Hollywood. Ver um produto derivado recorrer a alguns dos pecados do gênero que os filmes rejeitaram é quase uma traição, independentemente de questões orçamentárias.


No cinema, John Wick nos mostrou que não há problemas em se fazer o básico, contanto que se o faça bem-feito; a ação, afinal de contas, é uma das muitas formas de se contar uma história. É uma pena, portanto, que O Continental não abrace essa lição quando necessário, preferindo gastar muito do seu tempo com personagens e subtramas pouco empolgantes no lugar de investir na rica mitologia concebida nos filmes — inclusive ignorando-a quando conveniente. Há pontos fortes aqui que merecem a devida apreciação, e é louvável a decisão de adotar escolhas estéticas e narrativas que a possam distinguir em relação aos longas, mas na prática o que temos é uma minissérie que pouco consegue se destacar dentro da franquia tão brilhante da qual faz parte.


Nota: 2,5/5

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