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Foto do escritorÁvila Oliveira

Crítica | Okurimono

Documentário funciona como bela reflexão guiada sobre o passado

Foto: Divulgação


Após uma ausência de 20 anos, Noriko, atualmente residindo no Canadá, retorna a Nagasaki para limpar a casa de sua mãe. Ao fazê-lo, encontra cartas que revelam detalhes de sua família entrelaçado com a memória dos habitantes da vila peninsular. Ao reconstruir esta história familiar, Okurimono evolui gradualmente para uma meditação cheia de sentimento sobre a passagem do tempo e o legado que deixamos.


“Meditação” define bem a experiência de assistir ao documentário dirigido pela cineasta Laurence Lévesque. Tudo que a câmera apresenta nos seus 90 minutos tem um estado de apreciação reflexiva que funciona quase como uma prece. Em alguns momentos a câmera estável observa como num reality show tentando interagir o mínimo possível, saboreando o silêncio, as palavras precisas e a doçura quase harmônica de uma cidade que carrega um fardo invisível. São enquadramentos bem resolutivos que informam, em todos os planos, detalhes sobre a família, a casa, e o lugar.


Falar de Nagasaki, que ainda vive as sombras de um dos maiores assassinatos em massa da história e provavelmente sempre viverá, é uma mácula que a personagem principal talvez nunca tivesse sentido. A necessidade de revisitar a casa de sua infância é a forma mais literal que se pode existir para trazer de volta o passado. Uma volta ao passado física não só mental e sentimental, mas bastante física e com texturas. Através de cartas, de gavetas antigas, de roupas, de fotos.


E essa revisita acaba por se tornar um descobrimento. Noriko vai conhecendo junto com o espectador a destruição interna e subjetiva (ao mesmo tempo que coletiva) que a bomba fez na vida de várias gerações posteriores àquela que presenciou o acontecimento. Ela passa a conhecer sua história e vai reconstruindo sua interpretação sobre seus pais.


Por mais que haja filmes, séries, animações e documentários recontando o fatídico dia, quando se tem sobreviventes contando sua experiência a mensagem chega de uma forma diferente. Entranhou na minha cabeça o preconceito das pessoas afetadas que ressoa até hoje como uma maldição adquirida sem qualquer culpa, causa ou pecado. O sofrimento une e coloca todos no mesmo plano e os depoimentos dos estranho que têm, talvez, apenas aquela desgraça como ponto comum é a prova disso.


No entanto, a ideia de intercalar na montagem Noriko e suas irmãs tentando resolver as pendências dos falecidos pais com esses depoimentos parece fazer sentido enquanto texto escrito, mas na execução quebra a crescente de momentos e tira a força das narrativas, comprometendo um pouco também a linearidade do roteiro.


Interessante ver como esse filme se contrapõe com o barulhento e opulento Oppenheimer. Um com a causa, o feito glorioso, a culpa com responsabilidade, o espetáculo da morte. O outro em silêncio, com graça, com penitência sem necessidade, com uma dor afável, quase que gentil.


Nota: 3/5

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