Um instigante olhar pro Brasil que ninguém quer ver
Foto: divulgação
Dizem que tudo o que o ser humano faz, cada passo que damos, cada ação decidida, é em busca de ser feliz. Tem, sim, muito de verdade nessa afirmação, mas ela desconsidera uma parte significativa da sociedade: as mães. Porque tudo que uma (boa) mãe faz, cada passo que dá, cada ação decidida, é em busca da felicidade de seu filho. Mas tem uma característica específica que as mães dividem com os meros humanos: todos erram. Mesmo tentando acertar.
E é assim que se dá a premissa de Pedágio, novo filme da premiada diretora Carolina Markowicz, que estreou no Festival Internacional de Toronto e que nós do Oxente, Pipoca? já tivemos o privilégio de assistir.
Suellen, interpretada pela sempre divina Maeve Jinkings, é uma mãe solteira que abdicou de suas ambições para conseguir prover para sua pequena família, formada por ela e por Tiquinho (Kauan Alvarenga). Suellen se contenta com um emprego ruim e uma vida sem perspectiva, tendo como únicos prazeres a fofoca diária com Telma (Aline Marta Maria) e o sexo com Arauto (Thomás Aquino). Em troca de seus sacrifícios, visa apenas o bem do filho. Porém, os dois discordam do que seja isso.
Tiquinho é um adolescente gay, que encontra dificuldades para se libertar numa cidade aprisionadora, na qual nem sua mãe ou seu melhor amigo o aceitam totalmente. Só tem uma pessoa que o entende: ele mesmo. Então ele vive de performance, aprendeu, como que num instinto de sobrevivência, a caminhar entre o feminino e o masculino conforme pede o contexto. Fora de casa é um menino tímido, acanhado. Mas quando sozinho transforma o banheiro em estúdio iluminado e, com a maquiagem da mãe, vira quem sonha em ser. Numa busca por se afirmar, para si e para o mundo, grava em seu celular e transmite para quem quiser ver as dublagens que faz de divas internacionais.
A mãe reza para o menino se “curar”, mas essa cura não está vindo rápido o suficiente – principalmente quando Telma vive a pressionando com seu falso moralismo cristão. Suellen, então, aceita mais um sacrifício para salvar seu filho.
Foto: divulgação
É quando o roteiro tenta introduzir uma dose de ação, resultando num clímax aquém do que se é construído. A premissa é suficientemente envolvente sem a necessidade de um conflito tão pomposo quanto o que se propõe – e o filme sabe disso, utilizando a maior parte dos seus 101 minutos no drama dos protagonistas, deixando esse (sub)plot corrido e mal desenvolvido.
Esse tropeço no roteiro, no entanto, não ofusca sua sensibilidade, muito bem representada pela sutil fotografia de Luis Armando Arteaga e a arte de Vicente Saldanha, que trazem o toque de mágica ao mundano, bem como pelas envolventes atuações de Jinkings e Alvarenga, que interpretam com louvor os diálogos cheios de camadas de uma relação cheia de conflitos, contradições e amor. Como de se esperar, o que segue com a gente enquanto rolam os créditos é a força da relação entre mãe e filho e a garra de Tiquinho por ser quem é.
Pedágio consolida a ainda breve porém já fascinante filmografia da diretora e roteirista como um olhar para o Brasil invisível. Assim como em Carvão (lançado ano passado no mesmo festival), o segundo longa de Markowicz dá protagonismo ao que para muitos é segundo plano – seja a atendente do pedágio que perdura na nossa vida por 30 segundos para imediatamente ser esquecida, seja as gigantescas chaminés industriais que não nos arrancam nem um segundo olhar nas estradas do interior do país. É nessa busca pela arte no cotidiano brasileiro sem romantizações ou clichês que Carolina vem criando sua autoria.
Não lhe escapa, porém, os defeitos desse mesmo Brasil. Ao mesmo tempo que encontra beleza no ordinário, ela nos prova ser possível criticar a hipocrisia dessa sociedade que vive de fachadas e máscaras, essas, sim, muito mais perigosas e dignas de vergonha que as de Tiquinho. É nessas contradições – entre certo e errado; entre fins e meios; entre aceitar e compreender – que está a riqueza do filme.
Nota: 4/5
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